Compra de votos (art. 299, CE) x captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, LE) x abuso do poder econômico (art. 14, § 10, CF)
É importante estabelecer as diferenças existentes entre o
crime de compra de votos do art. 299 do Código Eleitoral; a conduta
administrativo-eleitoral ilícita denominada captação ilícita de sufrágio,
prevista no art. 41-A da Lei 9.504/97; e a causa de inelegibilidade abuso de
poder econômico, contida no art. 19 Lei Complementar 64/90.
O crime do art. 299 previsto no Código Eleitoral (Lei n.º
4.737/65) possui um espectro mais amplo que a conduta prevista no art. 41-A;
todavia, lhe falta eficácia, e isto tendo em vista que o crime do art. 299
corre pelo rito ordinário da Justiça Eleitoral, e as condutas do art. 41-A
pelo procedimento da investigação judicial eleitoral. Foi exatamente por tal
motivo que a Lei n.º 9.840/99 introduziu esse dispositivo em nossa
legislação, com a intenção de proporcionar eficácia ao crime de compra de
votos previsto no art. 299 do Código Eleitoral [01].
Os dois dispositivos possuem, de fato, redações bastante
parecidas, o que não quer dizer, todavia, que a disciplina da captação
ilícita de sufrágio tenha revogado o crime da compra de votos, podendo,
inclusive, a conduta de "dar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor,
bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, com finalidade de obter-lhe o
voto" ser tipificada tanto como crime eleitoral (art. 299, Lei 4.737/65)
quanto como infração eleitoral (art. 41-A, Lei 9.504/97). Nesse caso, o agente
pode sofrer um processo na esfera criminal eleitoral, e outro no campo da
representação pelo rito da investigação judicial eleitoral [02].
Ressalta ainda Olivar Coneglian que talvez o único ganho
significativo, e almejado pelos autores da lei, seja o tempo de duração do
processo, uma vez que o rito da investigação judicial eleitoral mostra-se mais
eficiente que o rito ordinário. Todavia, no que tange aos sujeitos
destinatários das normas, o art. 41-A considera como agente do ilícito apenas
o candidato comprador, não havendo punição alguma em face do eleitor que
vendeu o voto, a contrário do art. 299, que pune do mesmo modo comprador e
vendedor.
Diferem-se ainda quanto ao tempo de caracterização da
conduta. Na captação ilícita de sufrágio, a conduta só é ilícita se
ocorrer entre o registro da candidatura e o dia da eleição, sendo que na
compra de voto, o crime pode ser configurado mesmo antes do registro, até o dia
da eleição.
Ademais, a ofensa ao art. 41-A pode caracterizar infração
eleitoral, passível de sanção pecuniária e de cassação de registro ou
diploma do candidato. Já o art. 299 constitui crime, sendo punido com pena de
reclusão de quatro até anos [03].
No que tange ao abuso do poder econômico, este se diferencia
dos demais por diversos fatores.
Um deles é em razão de constituir-se numa causa de
inelegibilidade. Assim, se condenado o candidato por incurso em abuso do poder
econômico, terá o registro de candidatura ou o diploma cassado, ficando
inelegível o candidato até as eleições que se realizarem nos 3 (três) anos
seguintes àquela que foi condenado (LC 64/90, art. 1º, I, "d")
[04].
Outra distinção que se faz entre a captação ilícita de
sufrágio, o crime do art. 299 do CE e o abuso do poder econômico é que,
naqueles, não se mostra necessária a comprovação da potencialidade da
conduta em influir no resultado do pleito, uma vez que o bem jurídico que se
pretende tutelar é outro, qual seja, a liberdade de escolha do eleitor. Já
quando se está diante de abuso de poder econômico, mister se faz a
demonstração de que a conduta teve potencialidade em interferir no resultado
do certame, haja vista que o bem jurídico protegido é a própria normalidade e
legitimidade das eleições [05].
No mesmo sentido, Mauro Almeida Noleto ensina:
Para a caracterização do ilícito do art. 41-A, a jurisprudência, desde o início de sua aplicação, entendeu não ser necessário aferir-se a potencialidade de a conduta praticada provocar o desequilíbrio na disputa e com isso afetar o resultado da eleição. Isso porque o bem jurídico protegido pelo 41-A seria a liberdade de escolha do eleitor e não a normalidade e o equilíbrio da disputa. Assim, bastaria a comprovação da ‘compra’ de um voto (promessa, oferta, doação ou entrega de bens ou vantagens em troca do voto) para se alcançar a punição do candidato. [06]
Em síntese, a compra de votos é prevista no art. 299 do
Código Eleitoral é um crime eleitoral, punida com reclusão de até quatro
anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa e corre pelo rito ordinário da
Justiça Eleitoral; o bem jurídico tutelado é a liberdade de sufrágio do
eleitor, pelo que se pode identificar o eleitor beneficiário.
A captação ilícita de sufrágio, do art. 41-A da Lei das
Eleições, é um ilícito administrativo eleitoral, sancionado com multa de mil
a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o
procedimento previsto no art.
22 da Lei Complementar nº 64/90. O bem
jurídico tutelado é a liberdade de sufrágio do eleitor. Aqui também se pode
identificar o eleitor que vendeu o voto, mas não há previsão legal para
puni-lo.
No abuso de poder econômico nas eleições, o bem jurídico
não é a simples liberdade de sufrágio do eleitor, mas a normalidade e
legitimidade do próprio processo de escolha dos representantes contra qualquer
conduta que demonstre potencialidade de desigualar o pleito, podendo ter como
sanção a inelegibilidade do candidato por até 3 anos, não sendo possível a
identificação do eleitor que trocou seu voto por determinado bem, considerada
a massa de eleitores envolvidos.
Notas
- CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral: de acordo com o Código Eleitoral e com a Lei 9.504/97, modificada pelas Leis 9.840/99, 10.408/02 e 10.740/03. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 117.
- Ibidem, p. 117-119.
- Ibidem, p. 118-119.
- CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do direito eleitoral. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 248.
- Ibidem, p. 248.
- NOLETO, Mauro Almeida. Op. cit., p. 112.
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