A canonização na Igreja Católica custa caro, envolve procedimentos complexos e tem até profissionais do ramo que preparam a ‘causa’ de candidatos
Quadro do artista Benedito Calixto retrata o jesuíta José de Anchieta, canonizado nesta quinta-feira, 3 (Divulgação/Museu de Anchieta) |
A canonização de santos da Igreja Católica não acontece do dia pra noite, a não ser que você seja um ex-papa. Os procedimentos que levam à proclamação de um novo santo são caros e complexos. Quando, por exemplo, o candidato viveu muitos anos atrás, como no caso do jesuíta José de Anchieta, que atuou no Brasil no século 16 e foi canonizado nesta quinta-feira, 3, tornando-se o primeiro santo de 2014, não há nenhuma possibilidade de entrevistar pessoas que testemunharam a sua santidade, então muitos documentos precisam ser trocados entre sua terra natal e o Vaticano. Às vezes perícias médicas são necessárias para comprovar a veracidade de milagres. De acordo com a revista Economist, nos círculos católicos americanos, o custo de defender a causa de um possível santo gira em torno de US$ 250 mil, mas pode facilmente ir além.
Não foi a toa que, em janeiro de 2014, o cardeal Angelo Amato, atual prefeito da Congregação das Causas dos Santos, o departamento que avalia potenciais santos, anunciou a criação de uma “lista de preços de referência” para os diversos serviços envolvidos na preparação de uma canonização. Em particular, estipulou-se um preço-médio para os serviços de um “postulador”, um especialista treinado em direito canônico que prepara a biografia detalhada dos candidatos a santo. Alguns postuladores oferecem seus serviços de graça como parte de suas obrigações para com a ordem religiosa a que pertencem. Para outros, a preparação desses documentos é a maneira de ganhar a vida.
Cotas para santos pobres
Para mitigar o risco de favorecer somente os candidatos ricos, a Congregação das Causas dos Santos já exerce alguma discriminação positiva (na sua alocação de tempo) a favor das propostas de países menos abastados, além de receber doações voluntárias para financiar aplicações de santos pobres. Recentemente, porém, grande parte da energia e dos recursos da Congregação foi sugada com o processamento-relâmpago das canonizações dos dois últimos papas (João XXIII e João Paulo II ), que serão comemoradas em abril. Isso provavelmente agravou o atraso no processamento de outras aplicações e pode ter aberto o caminho para aumentos oportunistas de preços. Anchieta levou 400 anos para ser proclamado santo, não se sabe a que custo.
Protecionismo postulador
Pessoas familiarizadas com o Vaticano dizem que o mundo de postuladores profissionais é pequeno e introvertido, não muito diferente do círculo de canonistas que lidam com aplicações para a anulação de casamentos católicos, por exemplo. Como qualquer grupo em qualquer país que detém a chave de um procedimento legal elaborado, esses postuladores têm todo o interesse em manter as regras e a estrutura de preços por seus serviços o mais complexos e opacos possível. Estes advogados altamente especializados da Igreja, que são em sua maioria italianos, se sentem inseguros no momento por causa da “desitalianização” do Vaticano sob o papa argentino. Postuladores dificilmente fazem uma fortuna, o que provavelmente os torna ainda mais protetores de seu antiquado conjunto de habilidades.
De qualquer forma, a criação de uma lista de preços fixos para os serviços dos especialistas da canonização não é somente uma pérola lançada aos editores das manchetes dos tabloides: é também um pequeno passo no processo de frear os vastos e egoístas interesses burocráticos que cercam e oneram o Vaticano. Como o papa Francisco sabe bem, ele terá que fazer muito mais que isso.
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