sexta-feira, 19 de julho de 2013

* Catadora que passou no vestibular estudando em livros encontrados no lixo

É quase possível enxergar o sorriso da catadora de recicláveis Ercília Stanciany da Silva Mozer, 41, na entrevista concedida por telefone ao UOL. O sotaque mineiro também se sobressai enquanto ela conta a nova rotina que, agora, inclui aulas no curso de artes plásticas na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).
O dado mais curioso da história é que Ercília encontrou seu material de estudo enquanto trabalhava, ou seja, no meio do material descartado para a reciclagem. "Uma das coisas que mais chamou a atenção foi o desperdício do material", afirma Everaldo Mozer, 47, marido de Ercília. "Acho isso um absurdo isso que estão fazendo: em vez de pegar o livro e doar, joga fora. Se não tem mais utilidade que devolva para escolas, colégios, biblioteca.”
Ercília já pensa em retribuir o que aprendeu: “quando terminar minha casa aqui quero fazer uma biblioteca em um cômodo nos fundos. Quero ajudar pessoas que talvez estejam com o mesmo problema que eu tive".

15 minutos de fama

Ercília lembra que desde que sua história saiu na imprensa ela passou a ser reconhecida por onde anda. “Nossa já tirei tanta foto. Quase sempre alguém lá da universidade me para e tira uma foto”, conta a universitária, rindo da situação.
Apesar dessa repercussão positiva, ela destaca que há pessoas que querem usar sua história de forma errada. “Tem muita imprensa sensacionalista me procurando. Já me ofereceram até passagem para eu ir a um programa de televisão. Mas não quero isso. Não quero ficar na rede de televisão para ficar falando os pontos negativos da minha história. Quero passar as coisas boas, se meu exemplo de vida servir para uma pessoa que seja, então já vai ter valido a pena”, desabafou.

Agora eu sei o que é bacharelado

"Lá é grande demais, meu Deus!", conta Ercília com entusiasmo. "Nossa, tenho até aprendido coisas que nem sabia que existiam. Agora sei que sou uma caloura, o que é bacharelado, RU [restaurante universitário]. A semana foi bem cheia”. Segundo a universitária, que mora no Espírito Santo há oito anos, os últimos dias têm sido "uma correria só", principalmente para conseguir conhecer e saber tudo o que Ufes oferece aos estudantes, como "biblioteca, xerox".
Mesmo com a rotina desgastante -- ela sai de casa às 5h da manhã e retorna por volta das 21h --, a animação de Ercília supera o cansaço. E de longe. “Não faltei em nenhuma aula. Deixei de almoçar praticamente todos os dias para conseguir chegar a tempo nas palestras de boas vindas dos professores”, afirmou. “Nessa semana os horários ainda não estavam definidos. Tivemos algumas aulas de manhã, outras a tarde. Mas acho que só vou conseguir descansar daqui a um mês [risos]”.
Na última sexta-feira (9) dona Ercília completou a primeira semana de aula do curso de artes plásticas da Ufes (Universidade Federal do Espirito Santo), iniciado no dia 5 de março. “Estou feliz demais da conta. Tem hora que eu nem sei o que estou sentindo. Era um sonho de infância e agora estou realizando”, disse emocionada.

Sonho realizado

A felicidade foi tamanha que a caloura saiu de casa de madrugada e foi a primeira a chegar no dia da matrícula do curso. “Fiquei tão emocionada que não estava conseguindo assinar os papéis. Não lembrava nem o número do meu celular. Nem o nome do ônibus na hora de ir embora eu conseguia lembrar”.
O caminho até chegar a universidade não foi nada fácil. Tirada da escola pelo pai – falecido há três anos – após concluir a antiga quarta série, até hoje ela não entende o real motivo da proibição. “Meu pai era rígido, era bravo. Quando eu passei para a quinta série ele simplesmente não deixou minha mãe me matricular. Até a professora foi a minha casa para pedir para meus pais, mas não foi possível. Mas tudo bem, são páginas viradas”.
O desejo por voltar a escola novamente ganhou força e em 2009 ela conseguiu ingressar na EJA (Educação de Jovens e Adultos) e não parou mais. Concluiu os ensinos fundamental e médio, prestou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e passou no vestibular da Ufes.

Próximos passos

Para o futuro, o objetivo inicial é conseguir se formar. Mas Ercília nem pensa em parar de estudar: “quero concluir o curso e depois continuar estudando. Talvez fazer mestrado, pois quero dar aula. Além disso quero montar um ateliê de restauração. Mas isso vou descobrindo aos poucos. O campo das artes plásticas é bem amplo”.
Em relação aos gastos que terá em sua vida universitária, a estudante já deu entrada nos processos de solicitação de bolsas. Além disso, já recebeu muitas doações de pessoas que ficaram comovidas com sua história.
Segundo ela, há ainda um problema que precisa resolver para vivenciar 100% essa experiência. Seu filho de seis anos ainda não está matriculado na escola, pois a vaga disponível ficava a 5 km da casa da família. “Já estamos vendo com a Secretaria de Educação. É um absurdo a mãe dele estar na faculdade e ele não poder estar na primeira série”, desabafou. “E quando conseguir acho que vou ser bem firme com os estudos dele, principalmente porque agora poderei ajudá-lo melhor”.
“Não estou com medo de nada. O mais difícil foi chegar até aqui. Sempre soube que tinha força, mas não sabia que era tanta. A preocupação com o dinheiro existe. Mas quando a pessoa está acostumada a passar dificuldade na vida a gente não estranha as provas que Deus dá. No fim tudo dá certo”, concluiu.

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Filho de catador de garrafas ganha bolsa de mestrado nos EUA e luta para seguir estudos


Depois de se formar em administração em Belo Horizonte, Bruno Lucio Santos Vieira, 22, ingressou no mestrado em relações internacionais na Ohio University, nos Estados Unidos. Hoje, no curso, o estudante dedica seu tempo a disciplinas como história econômica norte-americana e mercados financeiros.
A biografia resumida acima pode parecer com a de algum brasileiro bem-nascido e cheio de oportunidades. No caso de Bruno, entretanto, cada passo tem sido uma batalha: filho do aposentado Henrique Barbosa Vieira, 68, e da dona de casa Neide Lúcia Santos Vieira, 56, o rapaz concluiu a educação básica toda em escola pública, fez a graduação pelo Prouni (Programa Universidade para Todos) no Centro Universitário Una e ganhou, pelo bom desempenho, desconto para a pós-graduação.
Arquivo Pessoal
Bruno Lucio Santos Vieira, 22, apresenta sua pesquisa sobre mercado financeiro e os impactos na economia, um dos temas que mais gosta de estudar (Foto: Arquivo Pessoal)

No entanto, há um semestre na terra de Obama, e ainda que tenha a bolsa de estudos, os custos de vida têm comprometido o futuro acadêmico do jovem. A cada mês, ele fica mais 600 dólares no vermelho – o que corresponde a aproximadamente R$ 1.100. "Quando vim, não ficou claro que haveria tantos gastos, e eles comprometeram o orçamento", conta.
E a família não tem como ajudar. "Meu marido ganha um salário e meio. Acabou de passar por um câncer de próstata. Para complementar a renda, ele recolhe garrafas, e eu lavo para vendermos", diz Dona Neide, que se esforça para segurar a saudade e as lágrimas sempre que fala com o filho. "Ele é o meu caçula e toda a vida foi exemplar. Muito carinhoso. Mas estou muito triste com as dificuldades que ele está passando."
Arquivo Pessoal
Depois de se formar na faculdade pelo Prouni, o jovem seguiu para mestrado no exterior (Foto: Arquivo Pessoal)
Ajuda dos novos amigos
Mesmo trabalhando para a faculdade – dentro dos limites da lei –, tem sido bem difícil bater a quantia necessária a cada mês, diz o jovem. E as economias que fez enquanto trabalhava no Brasil já se foram.
A sobrevivência tem dependido da boa vontade dos novos amigos nos EUA. Dois ucranianos e um espanhol têm financiado o aluguel e a comida para Bruno e sua mulher, Poliana. O casal ainda consegue almoçar de graça duas vezes por semana em igrejas da cidade.
O casamento, que não completou um ano, terá de resistir à distância. Com a falta de dinheiro, Poliana já está de malas prontas para retornar ao país.
Nem luxo nem lixo
O mobiliário da casa que Bruno divide com os europeus recebeu vastas contribuições do desperdício ou do desapego da comunidade de Ohio. "Quando alguém nos pergunta onde compramos armário, mesas, cadeiras, sofá, sempre brinco que foi no 'Trash.com' [em inglês, "trash" quer dizer lixo]. Achamos também panela, pratos, copos, talheres", relata Bruno, que chegou a receber até doações de comida.
Primeiro da turma
Durante a faculdade, a performance do jovem foi alvo de elogios dos docentes. Segundo a coordenadora do curso de administração do Una, Christiana Metzker Netto, ele "tem muito potencial".
"Bruno teve 94 pontos [em cem] de média geral. Tirou de letra a faculdade e foi um aluno exemplar. No trabalho final, tirou 99 pontos – e as médias costumam ser bem mais baixas", revela. "O curso também pede 60 horas de atividades complementares, que os alunos demoram a cumprir. Bruno fez 255 horas".
O empenho rendeu troféu de melhor aluno do curso, mas não foi suficiente para garantir a permanência no mestrado. E o rapaz tem recorrido ao seu passado acadêmico para buscar auxílio – concorre a novas bolsas, ainda sem certezas.
O mais jovem de cinco irmãos, primeiro a se formar na faculdade e a ir ao exterior, é admirado pela família e espera voltar com o mestrado concluído. "Todo herói tem de ter um pouco de louco, tem de arriscar. Pensei que essa podia ser a minha única chance de continuar estudando", diz.

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