EUA sempre rechaçam diálogo cubano, diz último embaixador norte-americano em Havana
Wayne Smith revela mentiras divulgadas por Washington para responsabilizar Cuba por fracasso de negociações
Opera Mundi – Wayne S. Smith é o último diplomata norte-americano a exercer em Cuba o cargo de embaixador. Sem relações diplomáticas desde sua ruptura unilateral com Havana em 3 de janeiro de 1961, Washingson sempre se negou a normalizar suas relações com Cuba, apesar do fim da Guerra Fria e da opinião unânime da comunidade internacional.
Diplomata de carreira, professor doutor da Universidade de George Washington e professor associado da Universidade Johns Hopkins, ele também é diretor do “Programa Cuba” do Centro para a Política Internacional. É considerado o maior especialista norte-americano das relações entre Cuba e Estados Unidos.
Smith integrou o Departamento de Estado em 1957 e trabalhou na União Soviética, na Argentina e em Cuba. Presente na embaixada norte-americana de Havana durante o movimento insurrecional cubano dirigido pelo Movimento 26 de Julho de Fidel Castro, Smith assistiu à queda do ditador Fulgêncio Batista. Após a ruptura das relações entre Cuba e Estados Unidos, o presidente John F. Kennedy o nomeou secretário executivo de seu Grupo de Trabalho sobre a América Latina.
De 1979 a 1982, Smith esteve na liderança da Seção de Interesses Norte-americanos em Cuba e se destacou por sua política de diálogo e de aproximação com Havana sob o governo de Jimmy Carter. Em 1982, devido a um profundo desacordo com a nova política elaborada pelo presidente Ronald Reagan em relação a Cuba, deixou definitivamente o Departamento de Estado.
Apoiador de uma normalização das relações com Cuba, Smith aborda nesta entrevista sua experiência de diplomata em Havana e a política dos Estados Unidos durante os primeiros anos da Revolução. Destaca também a aproximação com Fidel Castro iniciada por Jimmy Carter. Esta conversa termina com uma reflexão sobre a atual política dos Estados Unidos sob a administração Obama.
Opera Mundi: Senhor Embaixador, sua primeira experiência de diplomata em Cuba remonta a qual data?
Wayne S. Smith: Minha primeira experiência de diplomata remonta a agosto de 1958, em plena guerra revolucionária dos insurgentes de Fidel Castro contra o regime ditatorial de Fulgêncio Batista. Na realidade, minha nomeação à embaixada dos Estados Unidos em Havana se devia mais à causalidade do que a uma escolha pensada. Após deixar o exército – era um soldado de infantaria da Marinha –, queria integrar o mundo da diplomacia, com uma especialidade em… chinês! Logo fui estudar no México e redigi uma dissertação de mestrado que comparava dois instrumentos de política exterior destinados a proteger zonas de influências: a Doutrina Monroe no continente americano e a Cortina de Ferro na Europa.
Voltei a Washington em novembro de 1956, alguns dias antes do desembarque em Cuba de Fidel Castro com seus 81 guerrilheiros oriundos do México, em 2 de dezembro de 1956. Integrei o Escritório de Inteligência e me pediram para trabalhar com Cuba. Meu papel consistia em averiguar se havia alguma relação entre o Movimento 26 de Julho (M 26-7) de Castro e os comunistas. Não encontrei absolutamente nada. Não havia nenhuma conexão. Ao contrário, o partido comunista cubano não apreciava muito Castro. Havia muita desconfiança e ele preferia manter distância. A aproximação entre o Partido Socialista Popular – era assim que se chamava o partido comunista à época – e o M 26-7 ocorreria mais tarde.
Logo comecei a fazer parte do serviço de Relações Exteriores e me transferiram imediatamente para Havana.
OM: Qual era seu ponto de vista, naquela época, sobre o conflito que opunha Fidel Castro e Fulgêncio Batista?
WSS: Após passar algumas semanas no serviço consular, integrei o serviço político da embaixada e estava encarregado de analisar a situação interna. Desde aquela data até hoje, só trabalhei com assuntos relacionados a Cuba. Em 1958, estava convencido de que Castro e seus partidários tinham grandes possibilidades de conseguir a vitória e que seu governo seria muito melhor que o de Batista.
Apoiamos Batista durante anos, inclusive durante a guerra insurrecional, pois estávamos conscientes de que Castro faria uma verdadeira revolução não apenas em Cuba, mas também no resto do continente. Ele havia declarado que transformaria os Andes na Sierra Maestra – conjunto de montanhas onde a guerrilha do M 26-7 se desenvolveu – da América Latina. Evidentemente, isso significava que ele se oporia à política dos Estados Unidos e que reduziria nossa influência no continente, favorecendo a chegada ao poder de governos que se emancipariam da nossa influência. Por conseguinte, desde o início, nossa atitude quanto a Castro foi hostil.
OM: Em que momento os Estados Unidos tomaram a decisão de atacar o governo de Fidel Castro?
WSS: Em março de 1960, durante a explosão do barco francês Le Coubre, carregado de armas belgas, no porto de Havana, Castro nos acusou, afirmando que aquilo havia sido obra da CIA. Provavelmente, estava certo. Para dizer a verdade, não sei. Todo mundo pensa que fomos nós. Poderíamos negar mil vezes e não mudaria nada, pois ninguém acreditaria.
Depois disso, durante uma reunião na Casa Branca com a CIA e o Departamento de Estado, chegamos à conclusão de que não era possível chegar a um acordo com Cuba, particularmente pelo discurso sumamente hostil de Castro e pelo apoio popular do qual ele dispunha. O presidente Eisenhower tomou, então, a decisão de atacar Castro. A partir daí, começaram as ações destinadas a acabar com ele.
OM: Mas já havia ações terroristas contra Cuba desde o final de 1959. Aviões oriundos da Flórida já bombardeavam Cuba.
WSS: Sim, mas não eram nossos aviões. Os exilados organizavam essas operações. A CIA os apoiava? Provavelmente. Mas não se tratava de uma ação oficial do governo dos Estados Unidos. No entanto, a partir de março de 1960, as ações empreendidas contra Cuba faziam parte de um programa oficial destinado a derrubar o poder em Havana.
OM: Apesar disso, o triunfo da Revolução em janeiro de 1959 ainda não tinha relação com a União Soviética.
WSS: Até a ruptura das relações, em janeiro de 1961, não havia vínculos sólidos entre Castro e a União Soviética. Por certo, houve a visita do diplomata Anastasio Mikoyan a Cuba em 1969, mas não havia então uma relação social entre Moscou e Havana.
Eu diria, inclusive, que a aproximação ocorreu definitivamente na véspera da invasão da Baía de Porcos, em abril de 1961. Castro estava a par de todos os preparativos e tinha certeza de que era só uma questão de tempo. No entanto, não pensava que enviaríamos apenas alguns milhares de exilados. Estava convencido de que várias divisões de soldados da marinha se seguiriam ao primeiro desembarque, o que não foi o caso.
Do lado de Miami, alguns agentes do segundo escalão da CIA estavam convencidos de que a invasão seria um passeio e que finalmente Fidel Castro seria derrotado, como foi o caso na Guatemala, em 1954, contra Arbenz. Na América Central, o desembarque foi por terra e, em Cuba, seria por mar, mas o resultado seria o mesmo, eles pensavam. A CIA estava convencida de que os cubanos abaixariam as armas e não lutariam. A Agência pensava, inclusive, que a população nos receberia de braços abertos.
OM: O senhor estava trabalhando em Cuba naquela época. Foi solicitado para que expressasse sua opinião sobre a operação?
WSS: Nós nem sequer estávamos a par dos preparativos. Eu trabalhava na seção política da embaixada e éramos os mais preparados para avaliar a situação interna. Mas nunca nos informaram nada sobre o menor projeto. Ninguém sabia nada na embaixada.
OM: O que o senhor teria respondido se tivessem perguntado sua opinião sobre a operação?
WSS: Teria explicado claramente que seria um fracasso. Um desembarque de alguns milhares de homens na Baía de Porcos não teria a menor possibilidade de êxito, sobretudo naquele local.
OM: Por quê?
WSS: O governo de Castro gozava de um apoio popular enorme em Cuba, e ainda mais naquela região. Aquela zona havia sofrido bastante com o subdesenvolvimento e Castro havia viajado para lá com vários projetos para permitir que essa população se beneficiasse com mais prosperidade. Para ela, o novo poder era o melhor que havia ocorrido para Cuba, pois estava saindo, pouco a pouco, da miséria. Castro era muito popular na região da Baía dos Porcos, assim como no resto do país. Não havia absolutamente nenhuma possibilidade de desatar uma sublevação popular contra o poder naquele lugar. Pensar o contrário era totalmente absurdo. Acabavam de se libertar de Batista, que era o símbolo da exploração. Não iam acolher com os braços abertos aqueles que pretendiam restaurar o antigo regime.
Então, foi na véspera do desembarque, em 16 de abril de 1961, após os bombardeios dos diferentes aeroportos cubanos, em previsão da invasão, quando Castro anunciou que Cuba era uma nação socialista e deu, assim, um passo em direção à União Soviética. Seu cálculo era o seguinte: dado que a invasão era iminente, precisaria do apoio de outra superpotência, a única capaz de nos fazer frente.
OM: Então a aliança com a União Soviética foi uma consequência direta da política agressiva dos Estados Unidos, já que, durante os primeiros anos, a Revolução Cubana manteve uma posição de neutralidade no conflito que opunha as duas grandes potências.
WSS: Foi exatamente isso. Cuba se aproximou da União Soviética, em grande parte, por causa de nós, por causa da política dos Estados Unidos. Castro estava convencido – com razão – de que utilizaríamos todos os recursos necessários para derrotá-lo.
OM: Não teria sido mais criterioso por parte dos Estados Unidos dar mostras de mais diplomacia e focar mais as relações de diálogo com o novo governo revolucionário?
WSS: Com efeito, poderíamos ter tentado estabelecer uma relação positiva com o novo poder, mas as forças que havia no Departamento de Estado e no Pentágono não estavam de acordo. Desde o início, Washington expressou seu ceticismo, se é que posso dizer assim, com relação a Castro. Penso que subestimamos Fidel Castro, que tinha um apoio extraordinário de toda a população.
Decidimos, então, romper as relações com Cuba e eu fui o último diplomata dos Estados Unidos a abandonar o país. Só voltei ali 16 anos depois, em 1977.
OM: Após a eleição de Jimmy Carter, em 1977, houve uma aproximação entre Cuba e Estados Unidos? O senhor poderia nos contar esse processo?
WSS: Quando chegou ao poder, Jimmy Carter expressou sua vontade de ter relações com Cuba. Era extraordinário! Acabava de tomar posse em janeiro de 1977 e estava falando de estabelecer um diálogo com Cuba! Eu me lembro de ter dito a minha esposa, Roxy, que eu ia perder o trem da história, pois estava naquela época em Buenos Aires, como responsável da seção política da embaixada dos Estados Unidos. Mas, felizmente, recebi de imediato um telegrama que me convidava a voltar urgentemente a Washington para participar dos primeiros intercâmbios com os cubanos, que aconteceram em Nova York. Os primeiros encontros ocorreram no modesto hotel Roosevelt, e prosseguiram no luxuoso hotel Plaza. Nossas relações foram melhorando dia após dia [risos].
OM: Quais eram os temas debatidos?
WSS: De início, falamos de alguns temas secundários. Logo decidimos ir mais longe e estabelecer seções de interesses em Havana e em Washington, o que nos permitiu ter uma representação diplomática em cada país. Tínhamos muitos desacordos mas, como não podíamos solucioná-los sem ter a possibilidade de falar sobre eles, daí a importância de ter diplomatas em ambas as capitais. A Suíça nos representava em Cuba, e a Tchecoslováquia representava Cuba em Washington, mas havia temas que não queríamos abordar através de outro governo.
Depois disso, os cubanos nos convidaram para ir a Havana e finalizamos o acordo sobre a abertura de seções na capital cubana.
OM: O presidente Carter o nomeou para a chefia da Seção de Interesses Norte-americanos em Havana (SINA) em 1979, com o cargo de embaixador.
WSS: Ele me nomeou para o cargo em junho de 1979 e devo dizer que a experiência foi muito frutífera. Houve vários avanços. Delimitamos as fronteiras marítimas. Aliviamos o embargo, pois permitimos que as filiais norte-americanas localizadas no exterior comercializassem com Cuba. Os diplomatas cubanos e norte-americanos puderam viajar por todo o país, o que não ocorria antes. Autorizamos de novo os voos diretos e os exilados puderam voltar à ilha pela primeira vez desde o triunfo da Revolução.
Em uma palavra, nós nos encontrávamos em um processo de normalização completa de nossas relações.
OM: Lamentavelmente, Jimmy Carter perdeu a eleição para Ronald Reagan em 1981.
WSS: Reagan nomeou para Secretário de Estado Hall Haig. Este havia declarado que queria fazer de Cuba um “estacionamento”, o que indicava claramente que a política de aproximação e diálogo iniciada por Carter terminaria em seguida.
O governo mexicano havia organizado um encontro secreto entre Haig e o vice-presidente cubano à época, Carlos Rafael Rodríguez. O vice-presidente sinalizou a Haig que Cuba estava disposta a por fim ao envio de armas às guerrilhas da América Central. Cuba esperava assim prosseguir no diálogo com os Estados Unidos.
OM: Qual foi a resposta de Haig?
WSS: Haig rechaçou a oferta declarando que Washington não estava interessado no diálogo, mas na ação. Na realidade, os Estados Unidos não desejavam, de maneira alguma, normalizar as relações com Cuba.
Dois meses mais tarde, o governo de Havana me informou que Cuba havia interrompido toda a provisão de armas com destino à América Central. Os cubanos esperavam assim que pudéssemos retomar o diálogo. Transmiti a informação ao Departamento de Estado e perguntei se dispúnhamos de provas que contradissessem a declaração das autoridades cubanas sobre as armas. Se não fosse o caso, sugeri que seria bom retomar o diálogo, pois havia muitos temas a serem resolvidos. Tive que mandar vários telegramas e tive que esperar vários meses antes de receber uma resposta de Washington.
OM: Qual foi a resposta?
WSS: O Departamento de Estado me informou que não dispunha de nenhuma prova que contradissesse a declaração dos cubanos a respeito da provisão de armas à América Latina. Mas, na mesma mensagem, me informava que a Casa Branca não tinha nenhum interesse em prosseguir o diálogo com Cuba.
Então insisti na necessidade de manter um contato com as autoridades cubanas, explicando que era de nosso interesse prosseguir com as conversas, sem êxito.
Pouco tempo depois, o Departamento de Estado publicou uma declaração acusando Cuba de manter o envio de armas com destino à América Central e que Castro havia rechaçado nossas propostas de negociação. Era uma mentira total e eu estava bem informado para saber disso! Os cubanos estavam dispostos a debater nossos numerosos desacordos e era de nosso interesse fazê-lo.
A partir daí, decidi pôr fim à minha missão diplomática em Havana, pois não podia continuar trabalhando nessas condições. E, sobretudo, não podia continuar representando o governo de Reagan. Pedi, então, que me substituíssem no cargo em 1982 e pus fim a minha carreira de diplomata.
OM: Estava em desacordo com a política hostil da administração Reagan.
WSS: Não apenas estava em desacordo, mas, sobretudo, não podia suportar as mentiras emitidas pelo Departamento de Estado. Era simplesmente inaceitável. Os cubanos estavam dispostos a normalizar as relações com os Estados Unidos, mas simplesmente rechaçamos o diálogo. Não só nos negamos a dialogar, mas também mentimos a respeito, acusando-os de se oporem a uma aproximação bilateral entre ambas as nações.
OM: O que o senhor fez depois?
WSS: Logo depois de abandonar o serviço de relações exteriores, fiz o juramento – que talvez nunca devia fazer – de que dedicaria o resto do meu tempo a fazer com que nossos países pudessem ter finalmente relações normais.
Wayne Smith revela mentiras divulgadas por Washington para responsabilizar Cuba por fracasso de negociações
Opera Mundi – Wayne S. Smith é o último diplomata norte-americano a exercer em Cuba o cargo de embaixador. Sem relações diplomáticas desde sua ruptura unilateral com Havana em 3 de janeiro de 1961, Washingson sempre se negou a normalizar suas relações com Cuba, apesar do fim da Guerra Fria e da opinião unânime da comunidade internacional.
Diplomata de carreira, professor doutor da Universidade de George Washington e professor associado da Universidade Johns Hopkins, ele também é diretor do “Programa Cuba” do Centro para a Política Internacional. É considerado o maior especialista norte-americano das relações entre Cuba e Estados Unidos.
Smith integrou o Departamento de Estado em 1957 e trabalhou na União Soviética, na Argentina e em Cuba. Presente na embaixada norte-americana de Havana durante o movimento insurrecional cubano dirigido pelo Movimento 26 de Julho de Fidel Castro, Smith assistiu à queda do ditador Fulgêncio Batista. Após a ruptura das relações entre Cuba e Estados Unidos, o presidente John F. Kennedy o nomeou secretário executivo de seu Grupo de Trabalho sobre a América Latina.
De 1979 a 1982, Smith esteve na liderança da Seção de Interesses Norte-americanos em Cuba e se destacou por sua política de diálogo e de aproximação com Havana sob o governo de Jimmy Carter. Em 1982, devido a um profundo desacordo com a nova política elaborada pelo presidente Ronald Reagan em relação a Cuba, deixou definitivamente o Departamento de Estado.
Apoiador de uma normalização das relações com Cuba, Smith aborda nesta entrevista sua experiência de diplomata em Havana e a política dos Estados Unidos durante os primeiros anos da Revolução. Destaca também a aproximação com Fidel Castro iniciada por Jimmy Carter. Esta conversa termina com uma reflexão sobre a atual política dos Estados Unidos sob a administração Obama.
Opera Mundi: Senhor Embaixador, sua primeira experiência de diplomata em Cuba remonta a qual data?
Wayne S. Smith: Minha primeira experiência de diplomata remonta a agosto de 1958, em plena guerra revolucionária dos insurgentes de Fidel Castro contra o regime ditatorial de Fulgêncio Batista. Na realidade, minha nomeação à embaixada dos Estados Unidos em Havana se devia mais à causalidade do que a uma escolha pensada. Após deixar o exército – era um soldado de infantaria da Marinha –, queria integrar o mundo da diplomacia, com uma especialidade em… chinês! Logo fui estudar no México e redigi uma dissertação de mestrado que comparava dois instrumentos de política exterior destinados a proteger zonas de influências: a Doutrina Monroe no continente americano e a Cortina de Ferro na Europa.
Voltei a Washington em novembro de 1956, alguns dias antes do desembarque em Cuba de Fidel Castro com seus 81 guerrilheiros oriundos do México, em 2 de dezembro de 1956. Integrei o Escritório de Inteligência e me pediram para trabalhar com Cuba. Meu papel consistia em averiguar se havia alguma relação entre o Movimento 26 de Julho (M 26-7) de Castro e os comunistas. Não encontrei absolutamente nada. Não havia nenhuma conexão. Ao contrário, o partido comunista cubano não apreciava muito Castro. Havia muita desconfiança e ele preferia manter distância. A aproximação entre o Partido Socialista Popular – era assim que se chamava o partido comunista à época – e o M 26-7 ocorreria mais tarde.
Logo comecei a fazer parte do serviço de Relações Exteriores e me transferiram imediatamente para Havana.
OM: Qual era seu ponto de vista, naquela época, sobre o conflito que opunha Fidel Castro e Fulgêncio Batista?
WSS: Após passar algumas semanas no serviço consular, integrei o serviço político da embaixada e estava encarregado de analisar a situação interna. Desde aquela data até hoje, só trabalhei com assuntos relacionados a Cuba. Em 1958, estava convencido de que Castro e seus partidários tinham grandes possibilidades de conseguir a vitória e que seu governo seria muito melhor que o de Batista.
Apoiamos Batista durante anos, inclusive durante a guerra insurrecional, pois estávamos conscientes de que Castro faria uma verdadeira revolução não apenas em Cuba, mas também no resto do continente. Ele havia declarado que transformaria os Andes na Sierra Maestra – conjunto de montanhas onde a guerrilha do M 26-7 se desenvolveu – da América Latina. Evidentemente, isso significava que ele se oporia à política dos Estados Unidos e que reduziria nossa influência no continente, favorecendo a chegada ao poder de governos que se emancipariam da nossa influência. Por conseguinte, desde o início, nossa atitude quanto a Castro foi hostil.
OM: Em que momento os Estados Unidos tomaram a decisão de atacar o governo de Fidel Castro?
WSS: Em março de 1960, durante a explosão do barco francês Le Coubre, carregado de armas belgas, no porto de Havana, Castro nos acusou, afirmando que aquilo havia sido obra da CIA. Provavelmente, estava certo. Para dizer a verdade, não sei. Todo mundo pensa que fomos nós. Poderíamos negar mil vezes e não mudaria nada, pois ninguém acreditaria.
Depois disso, durante uma reunião na Casa Branca com a CIA e o Departamento de Estado, chegamos à conclusão de que não era possível chegar a um acordo com Cuba, particularmente pelo discurso sumamente hostil de Castro e pelo apoio popular do qual ele dispunha. O presidente Eisenhower tomou, então, a decisão de atacar Castro. A partir daí, começaram as ações destinadas a acabar com ele.
OM: Mas já havia ações terroristas contra Cuba desde o final de 1959. Aviões oriundos da Flórida já bombardeavam Cuba.
WSS: Sim, mas não eram nossos aviões. Os exilados organizavam essas operações. A CIA os apoiava? Provavelmente. Mas não se tratava de uma ação oficial do governo dos Estados Unidos. No entanto, a partir de março de 1960, as ações empreendidas contra Cuba faziam parte de um programa oficial destinado a derrubar o poder em Havana.
OM: Apesar disso, o triunfo da Revolução em janeiro de 1959 ainda não tinha relação com a União Soviética.
WSS: Até a ruptura das relações, em janeiro de 1961, não havia vínculos sólidos entre Castro e a União Soviética. Por certo, houve a visita do diplomata Anastasio Mikoyan a Cuba em 1969, mas não havia então uma relação social entre Moscou e Havana.
Eu diria, inclusive, que a aproximação ocorreu definitivamente na véspera da invasão da Baía de Porcos, em abril de 1961. Castro estava a par de todos os preparativos e tinha certeza de que era só uma questão de tempo. No entanto, não pensava que enviaríamos apenas alguns milhares de exilados. Estava convencido de que várias divisões de soldados da marinha se seguiriam ao primeiro desembarque, o que não foi o caso.
Do lado de Miami, alguns agentes do segundo escalão da CIA estavam convencidos de que a invasão seria um passeio e que finalmente Fidel Castro seria derrotado, como foi o caso na Guatemala, em 1954, contra Arbenz. Na América Central, o desembarque foi por terra e, em Cuba, seria por mar, mas o resultado seria o mesmo, eles pensavam. A CIA estava convencida de que os cubanos abaixariam as armas e não lutariam. A Agência pensava, inclusive, que a população nos receberia de braços abertos.
OM: O senhor estava trabalhando em Cuba naquela época. Foi solicitado para que expressasse sua opinião sobre a operação?
WSS: Nós nem sequer estávamos a par dos preparativos. Eu trabalhava na seção política da embaixada e éramos os mais preparados para avaliar a situação interna. Mas nunca nos informaram nada sobre o menor projeto. Ninguém sabia nada na embaixada.
OM: O que o senhor teria respondido se tivessem perguntado sua opinião sobre a operação?
WSS: Teria explicado claramente que seria um fracasso. Um desembarque de alguns milhares de homens na Baía de Porcos não teria a menor possibilidade de êxito, sobretudo naquele local.
OM: Por quê?
WSS: O governo de Castro gozava de um apoio popular enorme em Cuba, e ainda mais naquela região. Aquela zona havia sofrido bastante com o subdesenvolvimento e Castro havia viajado para lá com vários projetos para permitir que essa população se beneficiasse com mais prosperidade. Para ela, o novo poder era o melhor que havia ocorrido para Cuba, pois estava saindo, pouco a pouco, da miséria. Castro era muito popular na região da Baía dos Porcos, assim como no resto do país. Não havia absolutamente nenhuma possibilidade de desatar uma sublevação popular contra o poder naquele lugar. Pensar o contrário era totalmente absurdo. Acabavam de se libertar de Batista, que era o símbolo da exploração. Não iam acolher com os braços abertos aqueles que pretendiam restaurar o antigo regime.
Então, foi na véspera do desembarque, em 16 de abril de 1961, após os bombardeios dos diferentes aeroportos cubanos, em previsão da invasão, quando Castro anunciou que Cuba era uma nação socialista e deu, assim, um passo em direção à União Soviética. Seu cálculo era o seguinte: dado que a invasão era iminente, precisaria do apoio de outra superpotência, a única capaz de nos fazer frente.
OM: Então a aliança com a União Soviética foi uma consequência direta da política agressiva dos Estados Unidos, já que, durante os primeiros anos, a Revolução Cubana manteve uma posição de neutralidade no conflito que opunha as duas grandes potências.
WSS: Foi exatamente isso. Cuba se aproximou da União Soviética, em grande parte, por causa de nós, por causa da política dos Estados Unidos. Castro estava convencido – com razão – de que utilizaríamos todos os recursos necessários para derrotá-lo.
OM: Não teria sido mais criterioso por parte dos Estados Unidos dar mostras de mais diplomacia e focar mais as relações de diálogo com o novo governo revolucionário?
WSS: Com efeito, poderíamos ter tentado estabelecer uma relação positiva com o novo poder, mas as forças que havia no Departamento de Estado e no Pentágono não estavam de acordo. Desde o início, Washington expressou seu ceticismo, se é que posso dizer assim, com relação a Castro. Penso que subestimamos Fidel Castro, que tinha um apoio extraordinário de toda a população.
Decidimos, então, romper as relações com Cuba e eu fui o último diplomata dos Estados Unidos a abandonar o país. Só voltei ali 16 anos depois, em 1977.
OM: Após a eleição de Jimmy Carter, em 1977, houve uma aproximação entre Cuba e Estados Unidos? O senhor poderia nos contar esse processo?
WSS: Quando chegou ao poder, Jimmy Carter expressou sua vontade de ter relações com Cuba. Era extraordinário! Acabava de tomar posse em janeiro de 1977 e estava falando de estabelecer um diálogo com Cuba! Eu me lembro de ter dito a minha esposa, Roxy, que eu ia perder o trem da história, pois estava naquela época em Buenos Aires, como responsável da seção política da embaixada dos Estados Unidos. Mas, felizmente, recebi de imediato um telegrama que me convidava a voltar urgentemente a Washington para participar dos primeiros intercâmbios com os cubanos, que aconteceram em Nova York. Os primeiros encontros ocorreram no modesto hotel Roosevelt, e prosseguiram no luxuoso hotel Plaza. Nossas relações foram melhorando dia após dia [risos].
OM: Quais eram os temas debatidos?
WSS: De início, falamos de alguns temas secundários. Logo decidimos ir mais longe e estabelecer seções de interesses em Havana e em Washington, o que nos permitiu ter uma representação diplomática em cada país. Tínhamos muitos desacordos mas, como não podíamos solucioná-los sem ter a possibilidade de falar sobre eles, daí a importância de ter diplomatas em ambas as capitais. A Suíça nos representava em Cuba, e a Tchecoslováquia representava Cuba em Washington, mas havia temas que não queríamos abordar através de outro governo.
WSS: De início, falamos de alguns temas secundários. Logo decidimos ir mais longe e estabelecer seções de interesses em Havana e em Washington, o que nos permitiu ter uma representação diplomática em cada país. Tínhamos muitos desacordos mas, como não podíamos solucioná-los sem ter a possibilidade de falar sobre eles, daí a importância de ter diplomatas em ambas as capitais. A Suíça nos representava em Cuba, e a Tchecoslováquia representava Cuba em Washington, mas havia temas que não queríamos abordar através de outro governo.
Depois disso, os cubanos nos convidaram para ir a Havana e finalizamos o acordo sobre a abertura de seções na capital cubana.
OM: O presidente Carter o nomeou para a chefia da Seção de Interesses Norte-americanos em Havana (SINA) em 1979, com o cargo de embaixador.
WSS: Ele me nomeou para o cargo em junho de 1979 e devo dizer que a experiência foi muito frutífera. Houve vários avanços. Delimitamos as fronteiras marítimas. Aliviamos o embargo, pois permitimos que as filiais norte-americanas localizadas no exterior comercializassem com Cuba. Os diplomatas cubanos e norte-americanos puderam viajar por todo o país, o que não ocorria antes. Autorizamos de novo os voos diretos e os exilados puderam voltar à ilha pela primeira vez desde o triunfo da Revolução.
Em uma palavra, nós nos encontrávamos em um processo de normalização completa de nossas relações.
OM: Lamentavelmente, Jimmy Carter perdeu a eleição para Ronald Reagan em 1981.
WSS: Reagan nomeou para Secretário de Estado Hall Haig. Este havia declarado que queria fazer de Cuba um “estacionamento”, o que indicava claramente que a política de aproximação e diálogo iniciada por Carter terminaria em seguida.
O governo mexicano havia organizado um encontro secreto entre Haig e o vice-presidente cubano à época, Carlos Rafael Rodríguez. O vice-presidente sinalizou a Haig que Cuba estava disposta a por fim ao envio de armas às guerrilhas da América Central. Cuba esperava assim prosseguir no diálogo com os Estados Unidos.
OM: Qual foi a resposta de Haig?
WSS: Haig rechaçou a oferta declarando que Washington não estava interessado no diálogo, mas na ação. Na realidade, os Estados Unidos não desejavam, de maneira alguma, normalizar as relações com Cuba.
Dois meses mais tarde, o governo de Havana me informou que Cuba havia interrompido toda a provisão de armas com destino à América Central. Os cubanos esperavam assim que pudéssemos retomar o diálogo. Transmiti a informação ao Departamento de Estado e perguntei se dispúnhamos de provas que contradissessem a declaração das autoridades cubanas sobre as armas. Se não fosse o caso, sugeri que seria bom retomar o diálogo, pois havia muitos temas a serem resolvidos. Tive que mandar vários telegramas e tive que esperar vários meses antes de receber uma resposta de Washington.
OM: Qual foi a resposta?
WSS: O Departamento de Estado me informou que não dispunha de nenhuma prova que contradissesse a declaração dos cubanos a respeito da provisão de armas à América Latina. Mas, na mesma mensagem, me informava que a Casa Branca não tinha nenhum interesse em prosseguir o diálogo com Cuba.
Então insisti na necessidade de manter um contato com as autoridades cubanas, explicando que era de nosso interesse prosseguir com as conversas, sem êxito.
Pouco tempo depois, o Departamento de Estado publicou uma declaração acusando Cuba de manter o envio de armas com destino à América Central e que Castro havia rechaçado nossas propostas de negociação. Era uma mentira total e eu estava bem informado para saber disso! Os cubanos estavam dispostos a debater nossos numerosos desacordos e era de nosso interesse fazê-lo.
A partir daí, decidi pôr fim à minha missão diplomática em Havana, pois não podia continuar trabalhando nessas condições. E, sobretudo, não podia continuar representando o governo de Reagan. Pedi, então, que me substituíssem no cargo em 1982 e pus fim a minha carreira de diplomata.
OM: Estava em desacordo com a política hostil da administração Reagan.
WSS: Não apenas estava em desacordo, mas, sobretudo, não podia suportar as mentiras emitidas pelo Departamento de Estado. Era simplesmente inaceitável. Os cubanos estavam dispostos a normalizar as relações com os Estados Unidos, mas simplesmente rechaçamos o diálogo. Não só nos negamos a dialogar, mas também mentimos a respeito, acusando-os de se oporem a uma aproximação bilateral entre ambas as nações.
OM: O que o senhor fez depois?
WSS: Logo depois de abandonar o serviço de relações exteriores, fiz o juramento – que talvez nunca devia fazer – de que dedicaria o resto do meu tempo a fazer com que nossos países pudessem ter finalmente relações normais.
Política dos EUA para Cuba é obsoleta e contraproducente, analisa último embaixador do país em Havana
Para Wayne Smith, motivos alegados por governo norte-americano não são suficientes para recusar diálogo com Cuba
Opera Mundi publica neste domingo (21/07) a segunda parte da entrevista com Wayne S. Smith, último embaixador dos EUA em Cuba. Leia a primeira parte do texto aqui.
Opera Mundi: Atualmente, o senhor é diretor do Cuba Project do Center for International Policy (Centro para Política Internacional), sediado em Washington. Qual é o objetivo dessa instituição?
Wayne S. Smith: O objetivo do nosso projeto é por fim à política que consiste em ilhar Cuba vigente há mais de cinquenta anos e aproximar nossos povos, unidos pela história e a geografia. Desejamos ter relações normais com Cuba. Nossa política governamental em relação à ilha, vestígio da Guerra Fria, é ao mesmo tempo obsoleta e contraproducente. A cooperação em todos os campos seria benéfica para ambos os países.
OM: Por que os Estados Unidos se negam a normalizar as relações com Cuba?
WSS: Os anos se passaram e ainda estamos na mesma situação absurda. Sempre me pergunto quais são as razões que nos impedem de sentar à mesa de negociações e falar sobre nossas diferenças para encontrar uma solução para esse conflito que já dura tanto. Conversamos com os chineses e temos relações diplomáticas e comerciais perfeitamente normais com aquele país. Nós, inclusive, normalizamos nossas relações com o Vietnã, contra quem travamos uma guerra sangrenta, na qual perdemos mais de 50.000 soldados!
Hoje o mundo é diferente. A União Soviética desapareceu e a Guerra Fria acabou. Fidel Castro declarou há muito tempo que Cuba já não apoiaria os movimentos revolucionários na América Latina. Cuba também expressou várias vezes sua disposição de se sentar à mesa de negociações. Após os atentados de 11 de setembro de 2011, Cuba ofereceu imediatamente seu espaço aéreo e seus aeroportos para os aviões norte-americanos e expressou seu apoio aos Estados Unidos. Cuba havia denunciado o terrorismo e demonstrou sua vontade de colaborar plenamente conosco nesse tema. Cuba assinou as doze resoluções antiterroristas das Nações Unidas.
OM: Qual foi a reposta do Presidente George W. Bush?
WSS: Em vez de aceitar a mão estendida, Bush pôs fim a todas as conversas com Cuba que se haviam estabelecido sob a administração Clinton, declarando publicamente que, dali em diante, o objetivo da política externa dos Estados Unidos seria derrotar o regime cubano. Durante os oito anos seguintes, a política de Washington teve como objetivo derrotar o governo cubano. Uma política absurda e ineficaz.
OM: Sob a administração Obama, as coisas mudaram?
WSS: Foram retiradas algumas restrições relacionadas às viagens e às remessas. Agora os cubanos podem viajar a seu país de origem quantas vezes quiserem, ao passo que, durante a administração Bush, isso se limitava a 14 dias a cada três anos. Também é mais fácil agora organizar intercâmbios acadêmicos e culturais entre os dois países.
Nos anos 60, Cuba foi excluída da OEA (Organização dos Estados Americanos) e todos os países da América Latina – exceto o México – romperam as relações com Havana. Agora é exatamente o contrário. Somos o único país da América que não tem relações diplomáticas e comerciais com Cuba. Agora os ilhados somos nós, e não Cuba. Conforme afirmou o presidente Lula, do Brasil, ao presidente Obama em uma conferência, se não mudarmos essa política obsoleta em relação a Cuba, isso prejudicará nossa credibilidade internacional.
Essa política de hostilidade em relação a Cuba vai contra os interesses dos Estados Unidos. Isso não tem nenhum sentido e, infelizmente, não vejo a administração Obama mudar a situação. Todos pensávamos que sua eleição permitiria normalizar as relações, mas não foi o caso. Por certo, suprimiu algumas restrições, mas não tomou nenhuma medida fundamental que permitisse a normalização das relações com Cuba. É muito difícil de entender.
OM: Os Estados Unidos explicam que não podem normalizar as relações com Cuba por conta da situação dos direitos humanos. Washington não pode retirar sanções contra um país que viola os direitos humanos.
WSS: A questão dos direitos humanos é um argumento que não resiste a uma análise. Os Estados Unidos têm relações com a China, o Vietnã, a Colômbia e toda uma série de países que apresentam uma situação de direitos humanos muito pior que a de Cuba.
Por outro lado, se desejássemos melhorar a situação dos direitos humanos, seríamos muito mais eficazes estabelecendo relações com Cuba.
OM: Cuba dispõe de um partido único, o que vai contra os princípios democráticos, segundo Washington.
WSS: China e Vietnã também dispõem de um partido único e isso não se constitui em um problema para nós. Por que seria diferente com Cuba?
OM: Segundo os Estados Unidos, a repressão da oposição em Cuba impede qualquer normalização das relações.
WSS: Sou bastante cético. Tomemos o exemplo das Damas de Blanco. Elas se manifestam livremente em Cuba e publicam suas declarações. Yoani Sánchez se comunica com o mundo inteiro. As autoridades cubanas não a prenderam. Recebo regularmente e-mails do opositor Elizardo Sánchez.
É claro que eu gostaria que houvesse mais liberdade política em Cuba, mas a maioria dos dissidentes atua livremente na ilha, ao passo que este não é o caso em numerosos países com os quais temos relações diplomáticas e comerciais plenas e completas. Já não há nenhum preso político em Cuba, segundo a Anistia Internacional.
OM: Washington também acusa Cuba de tráfico de seres humanos.
WSS: Com efeito, o Departamento de Estado acusa Cuba de tráfico de seres humanos e, obviamente, Havana rechaça categoricamente a acusação, afirmando que dispõe dos padrões e mecanismos mais avançados da região para lutar contra essa praga.
De qual prova Washington dispõe para sustentar sua acusação? A resposta é simples: nenhuma. Nós nos limitamos a acusar Cuba de não publicar as medidas que toma para lutar contra esse fenômeno. O fato de que Cuba não comunique nada a respeito não significa que o país tenha se convertido no centro do tráfico de seres humanos. O informe publicado pelo Departamento de Estado não fornece nem um só exemplo de implicação cubana nesse tipo de crime. Afirma, inclusive, que o código penal cubano sanciona severamente o tráfico de seres humanos. O informe argumenta que a prostituição não é um crime em Cuba, mas isso também é tolerado em muitos países do mundo, inclusive nos Estados Unidos.
Em uma palavra, os informes anuais do Departamento de Estado a respeito disso não trazem nem uma só prova que sustente essas acusações. O que é mais grave é que esses falsos informes deliberadamente enganosos colocam uma sobra sobre a credibilidade de todo o programa de luta contra o tráfico de seres humanos.
OM: Desde 1982, os Estados Unidos mantêm Cuba na lista dos países que patrocinam o terrorismo internacional, o que constitui um obstáculo à normalização das relações entre ambos os países. Quais critérios motivaram a decisão de incluir a ilha?
WSS: Em março de 1982, decidimos incluir Cuba na lista dos países que patrocinam o terrorismo por seu apoio à guerrilha em El Salvador. O problema é que nós fazíamos exatamente o mesmo, já que apoiávamos os dissidentes na Nicarágua, com a finalidade de derrotar o governo sandinista. Por outro lado, em dezembro de 1981, o governo cubano havia me informado pessoalmente de que havia interrompido qualquer envio de armas com destino à América Central. Enquanto Cuba buscava melhorar as relações com os Estados Unidos, nossa resposta foi incluí-la na lista dos países que patrocinam o terrorismo.
Cuba não deveria fazer parte dessa lista, e vou explicar as razões. Faz mais de 30 anos que colocamos Cuba nessa lista sob pretextos falsos, que não resistem um só instante à análise. Cuba sempre condenou o terrorismo e afirmou – repito – as doze resoluções antiterroristas das Nações Unidas. Cuba inclusive se propôs a assinar um acordo com os Estados Unidos a esse respeito, oferta que sempre rechaçamos.
OM: Washington reprova o fato de Cuba abrigar membros das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de outras guerrilhas colombianas.
WSS: O Departamento de Estado acusa Cuba de abrigar membros da organização separatista vasca ETA e das FARC colombianas. Convém ressaltar que esses membros se encontram em Cuba com a total aquiescência do governo espanhol. Por sua vez, o governo colombiano, longe de acusar Cuba de abrigar guerrilheiros, saudou várias vezes a contribuição de Havana no processo de paz.
OM: Os Estados Unidos denunciam o fato de que Cuba abriga fugitivos norte-americanos.
WSS: É verdade que cidadãos norte-americanos condenados por nossa justiça se refugiaram em Cuba. Mas isso não basta para colocar um país na lista de Estados que patrocinam o terrorismo, inclusive segundo nossa própria legislação. Cuba se nega a extraditá-los, mas também nos negamos a extraditar a Cuba reconhecidos terroristas, responsáveis por numerosos assassinatos, que se encontram em nosso território. Desde 1959, não extraditamos nenhum deles.
O Departamento de Estado buscou todos os pretextos para manter Cuba nessa lista. Por exemplo, em 2002, Washington acusou Havana de abrigar terroristas chilenos, o que o próprio governo do Chile desmentiu. Logo acusamos Cuba de estar contra a guerra do Iraque, esquecendo-nos de que nossos aliados mais próximos também haviam expressado sua reprovação.
Também acusamos Cuba de desenvolver armas biológicas. O próprio presidente Jimmy Carter, durante sua visita a Cuba em 2002, tendo acesso total aos centros de investigação apontados pelo Departamento de Estado, desmentiu essas afirmações.
OM: Após o 11 de setembro de 2001, Bush declarou que todo país que abrigasse um terrorista seria considerado terrorista. Ao mesmo tempo, Luis Posada Carriles, um exilado cubano e antigo agente da CIA responsável por mais de uma centena de assassinados, encontra-se em Miami e jamais foi julgado por seus crimes. Fez um avião civil cubano explodir em pleno voo em 1976, o que custou a vida de 73 pessoas, entre as quais se encontrava todo o time juvenil de esgrima. É o autor intelectual da onda de atentados sangrentos que atingiram a indústria turística cubana em 1997 e 1998. Reivindicou abertamente esses atos terroristas em uma entrevista ao New York Times em 12 de julho de 1998. Como explica essa contradição entre a retórica governamental e a realidade dos fatos?
WSS: Se seguirmos a lógica de Bush, então somos um Estado terrorista. Não se trata apenas de Luis Posada Carriles. Há todo um grupo de notórios terroristas de origem cubana que se encontram em liberdade nos Estados Unidos.
Washington deveria prender Posada Carriles e julgá-lo por seus atos terroristas. Deveriam colocá-lo na prisão. É do interesse do povo norte-americano.
OM: Por que os Estados Unidos se negam a julgá-lo?
WSS: Nós não o julgamos por conta da influência da comunidade de exilados cubanos. Por outro lado, dado que foi agente da CIA, poderia fazer declarações comprometedoras para todo o aparato governamental. Convém recordar que muitos terroristas cubanos exilados começaram trabalhando na CIA realizando atentados em Cuba. Uma vez que a CIA fechou sua base em Miami e mudou de tática, personagens como Posada Carriles ou Orlando Bosch atuaram por conta própria.
As provas contra Posada são esmagadoras. Documentos do FBI e da CIA outrora secretos mostram que Posada e Bosch estiveram envolvidos no atentado de 1976, que custou a vida de 73 pessoas, assim como o assassinato de Orlando Letelier, ex-ministro chileno do governo de Salvador Allende, executado em pleno Washington também em 1976, com sua assistente Ronnie Moffitt, cidadã norte-americana. Também dispomos das gravações nas quais Posada Carriles reconhece ser o autor dos atentados de Havana de 1997, inclusive o do hotel Copacabana, que custou a vida do empresário italiano Fabio di Celmo.
Nossa justiça não sancionou nenhum desses atos terroristas, inclusive aquele cometido nos Estados Unidos contra uma cidadã norte-americana. Pelo contrário, toleramos isso. Orlando Bosch inclusive conseguiu o indulto presidencial do presidente George H. W. Bush.
Quando Posada Carriles foi julgado em El Paso, Texas, por um problema migratório – não por seus atos de terrorismo –, pois havia entrado em território nacional de modo ilegal, tudo isso apareceu no julgamento. A juíza Kathleen Cardone, que devia seu posto ao presidente Bush, decidiu absolvê-lo de todas as acusações.
OM: O caso dos cinco presos políticos cubanos detidos nos Estados Unidos desde 1998 por se infiltrarem em grupos violentos do exílio cubano envolvidos em atos terroristas contra Cuba constitui atualmente o principal obstáculo à normalização das relações entre ambas as nações. Qual é sua opinião sobre esse assunto?
WSS: Nos anos 90, após o desmoronamento da União Soviética e do fim da Guerra Fria, um setor do exílio cubano, querendo acabar com o governo de Havana, voltou a recorrer à violência terrorista. Cuba então dependia do turismo para sobreviver. Grupos extremistas fizeram explodir dezenas de bombas em hotéis em Cuba, ocasionando uma queda espetacular do fluxo turístico. Dezenas de pessoas ficaram feridas e, conforme dissemos, um italiano, Fabio di Celmo, morreu após a explosão de uma bomba no hotel Copacabana.
Diante da falta de reação do governo dos Estados Unidos, que permitia que esses indivíduos vivessem em completa liberdade, Cuba infiltrou seus próprios agentes nesses grupos. Após coletar informações suficientes sobre sua atuação, os agentes cubanos transmitiram a Havana um informe sobre cerca de cinquenta pessoas envolvidas em atentados terroristas contra Cuba.
OM: Essa informação foi transmitida às autoridades norte-americanas?
WSS: Melhor que isso. Em julho de 1998, o governo cubano convidou vários altos representantes do FBI em Havana e lhes transmitiu toda a informação que os agentes coletaram, que demonstravam que várias organizações do exílio cubano estavam planejando atividades terroristas e, em alguns casos, eram responsáveis por atentados.
Os cubanos pensaram que, ao proporcionar essas provas ao FBI, o governo dos Estados Unidos adotaria as medidas necessárias para neutralizar esses indivíduos.
OM: Como os Estados Unidos reagiram?
WSS: Em vez disso, o FBI realizou uma investigação para descobrir como Cuba havia conseguido essa informação e procedeu à prisão de cinco agentes de segurança do Estado infiltrados na Flórida. É verdadeiramente lamentável, já que lança uma sombra sobre a credibilidade de nossa política contra o terrorismo.
OM: Os cinco cubanos não violaram a lei norte-americana?
WSS: Só eram culpados de uma coisa: eram agentes de uma potência estrangeira não declarados diante das autoridades norte-americanas. Também eram culpados por delitos menores, como posse de documentos falsos. Em nenhum caso, estavam envolvidos em atividades ilegais.
No entanto, foram julgados e condenados a penas de prisão muito severas, quer dizer, no total, a quatro prisões perpétuas duplas de 77 anos, ainda que elas tenham se reduzido após a apresentação de recursos. Gerardo Hernández foi condenado a duas prisões perpétuas mais 15 anos; Ramón Labañino a 30 anos; Antonio Guerrero a 21 anos e 10 meses; Fernando Gonzáles a 17 anos e 9 meses; e René González a 15 anos. Tudo isso por tentar impedir a realização de atos terroristas contra seu país. Esse julgamento é uma vergonha terrível para a justiça dos Estados Unidos.
OM: Foram esgotados quase todos os recursos legais. O senhor pensa que a solução desse caso passará por um acordo político entre Havana e Washington?
WSS: Muitos de nós pensamos que o presidente Barack Obama autorizaria a Corte Suprema a estudar o caso. Se o processo tivesse seguido um curso normal, sem interferência política, a Corte Suprema teria o caso. Em vez disso, o presidente Obama pediu explicitamente que a Corte Suprema não revisasse o julgamento.
OM: Por que o presidente Obama tomou uma decisão como essa?
WSS: Parece que a direita cubano-americana intransigente, que rechaça qualquer ideia de normalização das relações com Havana, o pressionou. É curioso que seja dado a ela tanto crédito, quanto todas as sondagens apontam que sua influência na comunidade cubana da Flórida é cada vez menos evidente. Cerca de 70% da opinião pública dos Estados Unidos pensa que Washington deveria ter relações normais com Cuba. Por outro lado, ganhou as eleições na Flórida sem o apoio da direita cubano-americana.
Devemos soltar os cinco imediatamente, mas temo que ainda haja muito caminho a ser percorrido.
OM: Evoquemos o caso do cidadão norte-americano Alan Gross, preso na ilha desde 2009 e condenado a 15 anos de prisão por colaborar em um programa da Agência Internacional para o Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID), cujo objetivo é conseguir “uma mudança de regime em Cuba”. Ele proporcionou aos dissidentes equipamentos de telecomunicação. O que o governo cubano deve fazer, em sua opinião?
WSS: Gross é culpado de todos os atos pelos quais é acusado e violou a lei cubana. Mas creio que deveria ser liberado por razões humanitárias. Penso, inclusive, que os cubanos estariam dispostos a fazê-lo se tivessem a segurança de que faríamos o mesmo com os cinco.
OM: O que o senhor pensa sobre as sanções econômicas contra Cuba, em vigor desde 1960?
WSS: A Guerra Fria acabou em 1991. Deveríamos ter normalizado nossas relações desde então. O que fizemos? Exatmente o contrário. Adotamos a Lei Torricelli em 1992, a Lei Helms-Burton em 1996 e os dois planos de Bush em 2004 e 2006, que agravam as sanções contra Cuba. Temos feito exatamente o contrário do que havíamos afirmado quando impusemos as sanções. Ainda nos encontramos nesse ponto. Não tenho uma explicação lógica. Tenho a impressão de que Cuba tem o mesmo [efeito] sobre os Estados Unidos do que a lua cheia tem sobre os lobos. Somos incapazes de atuar racionalmente em nossa política em relação a Cuba.
OM: Como o senhor analisa as reformas econômicas iniciadas por Raúl Castro?
WSS: Creio que seja o caminho correto. De todo modo, isso tinha que mudar um dia ou outro. Devo dizer que sou bastante otimista, pois Raúl Castro e seus homens oriundos do exército são bons homens de negócio e demonstraram isso nos setor turístico. Fizeram um excelente trabalho nesse campo.
OM: Que imagem os cidadãos norte-americanos têm de Cuba?
WSS: O povo norte-americano tem uma imagem falsa e tendenciosa de Cuba, mas, por outro lado, é favorável à normalização das relações. Todos os norte-americanos sonham em descobrir Cuba, que dispõe de uma população educada e de um excelente sistema de saúde. A título de comparação, olhe simplesmente o número de cidadãos norte-americanos que não tem acesso a um seguro de saúde.
Fonte: http://racismoambiental.net.br/
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