Iniciativas em direção a uma economia de baixo-carbono já revelam as dez mais promissoras inovações tecnológicas dessa inevitável transição: a) isolamento térmico de novas construções conforme o padrão Passivehaus e reformas com o mesmo fim; b) veículos movidos a baterias elétricas; c) biocombustíveis de segunda geração (material lignocelulósico); d) cogeração de energia; e) energia solar, principalmente fotovoltaica (PV) e concentrada (CSP); f) energia eólica; g) energia dos oceanos, principalmente de marés, ondas e correntes marítimas; h) captura de carbono: carvão limpo, algas e limpeza do ar; i) “biochar”: carbono sequestrado em carvão vegetal; j) solos e florestas: melhoria dos naturais sumidouros de carbono.
A energia nuclear não entra na lista por razão bem mais prosaica do que os conhecidos riscos que ela envolve: a construção de novas usinas tem ficado muitas vezes mais cara que se supõe. Ultimamente o custo de capital por kilowatt/hora tem se aproximado dos US$ 10 mil, quatro ou cinco vezes mais do que as previsões orçamentárias. Ao contrário do que ocorre com as dez soluções listadas, ela não segue a chamada curva de aprendizagem.
Ora, nada será mais decisivo para a transição do que preços que possam tornar mais competitivas as alternativas à velha troika fóssil. O processo de descarbonização deslanchará para valer quando os preços relativos viabilizarem a obtenção dos imensos ganhos de eficiência energética oferecidos por várias das dez tecnologias relacionadas acima. O que simultaneamente alavancará as descobertas científicas que, mais adiante, farão com que as fontes fósseis sejam condenadas à obsolescência econômica.
A principal dificuldade está, portanto, na mudança institucional necessária à alteração dos preços relativos. Seus mais ferrenhos inimigos são os atuais beneficiários dos negócios vinculados à produção e à distribuição de eletricidade, petróleo, carvão, gás e derivados. E o acanhamento dos defensores decorre da inevitabilidade de que fique bem mais salgado quitar a conta mensal de luz ou encher o tanque do carro, sem que haja qualquer melhoria imediata de qualidade de vida. Nada parecido com a telefonia celular, por exemplo, absorvida quando ainda era caríssima porque revolucionava a vida de seus primeiros usuários.
Ocorre que essa aversão à carestia energética poderá ser neutralizada se cada domicílio receber de volta um dividendo mensal resultante da repartição igualitária do decorrente aumento de arrecadação fiscal. As famílias com menor consumo de energia sairão ganhando, e as outras passarão a ter um forte incentivo para elevarem a eficiência energética de suas residências e veículos. Esta é a lógica da proposta intitulada “cap-and-dividend”, que surgiu nos EUA para superar as desvantagens das anteriores. Basicamente três: imposto sobre as emissões (“carbon tax”), mercado de direitos de emitir (“cap-and-trade”), e cotas de renováveis na geração de eletricidade (“renewabe energy mandate”). Em 2009 o Congresso certamente aprovará leis que gerem um híbrido dessas quatro opções. O que levará os EUA a disputar a liderança da próxima indústria global: a das energias limpas. Vanguarda que por enquanto está na Europa, como mostrou a criação da IRENA: International Renewable Energy Agency (www.irena.org).
Nesse contexto, o Brasil adota posição reacionária, alegando que sua matriz energética já é limpa, devido à hidroeletricidade e ao bioetanol de primeira geração. Um sofisma que evaporará no exato instante em que for divulgado o segundo inventário nacional de emissões de gases estufa. O primeiro já havia revelado que as jurássicas emissões causadas por desmatamentos e queimadas aumentaram 2% entre 1990 e 1994, enquanto as demais davam um salto de 16%. Disparidade que se aprofundou, pois os cálculos da organização “Economia & Energia” para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) mostraram que as emissões atribuíveis à produção e uso de energias tiveram uma escalada de 45% entre 1994 e 2005, período em que o incremento do PIB foi de 32%. Pior: dobraram no setor energético, enquanto aumentavam 45% no de transportes e 41% no industrial.
Justamente por ter tido a sorte de contar no passado com uma das mais limpas matrizes, o Brasil é agora o único grande emissor que faz caminho de volta ao passado: aumenta a intensidade de gases estufa de sua economia. Mazela que só poderá piorar se forem levados a sério os perdulários planos do Ministério das Minas e Energia (MME): o PDEE-2015, o PNE-2030 e o recém lançado PDE-2017. Três excentricidades que, se postas em prática, sepultariam o PNMC (Plano Nacional sobre Mudança do Clima), aplaudido há três meses pela comunidade internacional na reunião de Poznan.
Mas estão longe de se limitar aos desvarios do MME as evidências de que o Brasil acelera em marcha à ré. Por exemplo, enquanto nos EUA um pacote de estímulo econômico aloca novos US$ 3 bilhões ao sistema de ciência e tecnologia, aqui o titular do MCT precisa apaziguar representantes da comunidade científica que reagem a corte orçamentário feito pelo Congresso. Simultaneamente, o Ministério dos Transportes faz das tripas coração para tornar prioritária a pavimentação da BR-319. Uma obra que em vez de acelerar o crescimento – a tosca finalidade do PAC – só multiplicará desmatamentos e queimadas de florestas amazônicas, lançando a última pá de cal sobre os nobres compromissos que o governo brasileiro anunciou em Poznan. E sem esquecer a mesopotâmica campanha do Ministério da Agricultura contra o Código Florestal, mais a Medida Provisória 458 sobre a regularização fundiária da Amazônia, que favorecerão novo ciclo de expansão da fronteira predatória.
Em suma, nada de estranho quando se lembra que a nata das elites dirigentes – tanto pró-governo quanto de oposição – comunga a crença de que desenvolvimento seja sinônimo de aceleração do crescimento, além de não dar a mínima importância à qualidade de vida que estará ao alcance das futuras gerações.
José Eli da Veiga, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e autor de diversos livros sobre desenvolvimento sustentável, escreve mensalmente às terças. Página web: www.zeeli.pro.br .
* Artigo originalmente publicado no Valor Econômico,
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