sábado, 17 de maio de 2014

* Justiça Federal no Rio de Janeiro considerou que as manifestações religiosas afro-brasileiras não seriam religião”


6ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, promovida pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio (Foto: EBC)

6ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, promovida pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio (Foto: EBC)
MPF recorre ao TRF-2 para retirar vídeos de intolerância religiosa do YouTube
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra decisão judicial que desconsiderou as manifestações religiosas afro-brasileiras e negou o pedido do MPF para que o Google Brasil retirasse do Youtube vídeos de intolerância e discriminação religiosas.  Para negar o pedido do MPF, a primeira instância da Justiça Federal no Rio de Janeiro afirmou que as “manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem religião”, porque elas não conteriam “traços necessários de uma religião”. Essas características, de acordo com a decisão, seriam a existência de um texto base (a Bíblia ou Alcorão, conforme citado na decisão), de uma estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado.
Ao invés de conceder a tutela jurisdicional adequada, diante das graves violações que estão ocorrendo, a decisão excluiu do âmbito de proteção judicial grupos e consciências religiosas, ferindo assim, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Universal Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, a Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções e a Convenção Americana dos Direitos Humanos, assim como a Constituição Federal e a a Lei 12.288/10.  Segundo esse Estatuto da Igualdade Racial, é dever do Poder Público proteger as religiões em face dos discursos de ódio, devendo adotar medidas necessárias para combater a intolerância com as religiões de matrizes africanas, coibindo a utilização de meios de comunicação para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas”.
Atuação
A atuação do MPF é resultado de uma investigação instaurada a partir de uma representação da Associação Nacional de Mídia Afro, que levou ao conhecimento da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão conteúdos disponibilizados na rede mundial de computadores, por meio do site YouTube, que estariam disseminando o preconceito, a intolerância e a discriminação a religiões de matriz africana.
No começo do ano, o MPF expediu recomendação para que o Google do Brasil retirasse os vídeos. Entretanto, em resposta, a empresa se negou a atender a orientação, dizendo que o material divulgado “nada mais seria do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro” e que “os vídeos discutidos não violariam as políticas da companhia”.
“Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil.  Esses vídeos são exceções e como exceções merecem ser tratados. O povo brasileiro não comunga com a intolerância religiosa.  Em sua esmagadora maioria, muito pelo contrário, ele cultiva o respeito religioso.  Mesmo quem não compartilha das crenças religiosas alheias as respeita”, explica o procurador.
As mensagens veiculadas fazem apologia, incitam e disseminam discursos de ódio, preconceito, intolerância e de discriminação.  Esses conteúdos pretendem estabelecer que há uma indissociável ligação do “mal”, do “demônio” ou de uma indigitada “legião de demônios” com as manifestações religiosas de matrizes africanas. Para se ter uma ideia dos conteúdos, em um dos vídeos se passa a mensagem de que as pessoas podem “fechar os terreiros de macumba” e também se afirma que não se pode falar em bruxaria e magia negra sem falar em africano.  Em outros vídeos, associa-se a existência de doenças, como a AIDS, uso de drogas, práticas de crimes e toda sorte de males e infortúnios à existência e ao culto dessas religiões.
No fim do ano passado, o MPF promoveu uma audiência pública para debater a questão com a sociedade com o tema “Liberdade religiosa: o papel e os limites do Estado e dos meios de comunicação”. O evento discutiu a função do poder público e dos meios de comunicação para garantia da liberdade de consciência e pensamento e da inviolabilidade de crença religiosa.
Ainda segundo o procurador, “o ordenamento jurídico brasileiro estabelece que as relações sociais devem primar pela solidariedade, liberdade de crença e de religião, pelo respeito mútuo, pela consagração da pluralidade, da diversidade, objetivando o convívio pacífico em sociedade.  Portanto, a liberdade de expressar crença religiosa ou convicção não serve de escudo para acobertar violações aos direitos humanos, atacando ou ofendendo pessoa ou grupo de pessoas, conforme garantido no art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos arts. 2º, 3º e 4º da Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções”.
No recurso interposto, o MPF pede ao TRF-2, liminarmente, a retirada imediata de 15 vídeos com mensagens que fazem apologia da violência e do ódio, incitando ou promovendo o preconceito, a intolerância ou a discriminação em face das religiões de matrizes africanas.

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