quarta-feira, 30 de abril de 2014

* Bispo afirma que Governo violou a Constituição e tornau-se cúmplice dos crimes contra os índios

Dom Erwin e Papa Francisco
Por Renato Santana, de Brasília (DF), para o Cimi
O episódio que levou o cacique Babau Tupinambá a ser mantido sob custódia da Polícia Federal, em Brasília (DF), onde quatro mandados de prisão impediram a liderança de viajar ao Vaticano para encontro com o papa Francisco, representa para Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, em Altamira (PA), e presidente do Cimi, a necessidade de ser conservada a aparência ´de um Brasil sensível à causa dos povos autóctones. As aparências de que o Brasil é um estado de direito que honra a sua Carta Magna precisam ser mantidas´. Babau faria denúncias de violações aos direitos indígenas no exterior.
Assim, aponta Dom Erwin, o governo se torna cúmplice de uma campanha anti-indígena corrente no país e dos crimes por ela cometidos. Desde a década de 1960 no Xingu, o bispo já foi preso, sofreu atentados, ameaças e xingamentos públicos. Vive hoje sob escolta de agentes policiais.Trazendo a carta Eu Acuso!, escrita por Émile Zola em 1898, o bispo ressalta o dever de denunciar para não ser cúmplice. E afirma: ´É uma tremenda lástima que Babau foi impedido de fazê-lo’. No início deste mês, Erwin esteve com o papa Francisco (foto) e entregou ao sumo pontífice uma carta detalhando os problemas enfrentados pelas populações indígenas no Brasil.
Em entrevista, Dom Erwin analisa o impedimento de Babau viajar ao encontro de Francisco e de sua consequente custódia, com a determinação judicial de ser levado para detenção temporária no presídio de Ilhéus, na Bahia.
Crente de que se trata de perseguição política, Erwin, que acompanha a luta de Babau e dos Tupinambá desde a época em que passaram a reivindicar o reconhecimento enquanto povo junto à Funai, acredita que se as denúncias do cacique não chegaram ao papa pelas palvaras do próprio Tupinambá, chegará por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Para o bispo, o país saiu de uma ditadura militar para entrar numa ditadura civil: a violação do direito constitucional pelo governo federal ´escancara as portas para todo tipo de abusos criminosos que não deixam de ser torturas de pessoas e povos´. Leia a entrevista:
Que importância teria para a questão indígena no Brasil o papa Francisco encontrar-se com o cacique Babau Tupinambá? 
No passado, dia 4 de abril, estive com o papa Francisco e falei da questão indígena no Brasil, partilhei com ele os problemas que os índios enfrentam apesar de termos uma Constituição Federal bem favorável a eles em relação à defesa de suas terras ancestrais, sua cultura e a seu modo de viver. Há uma campanha anti-indígena em curso que quer modificar os parâmetros constitucionais para possibilitar o acesso às terras indígenas a fim de ocupá-las e explorá-las. Entreguei ao papa, muito interessado nesta questão, um texto mais abrangente, com detalhes. Agora, o cacique Babau Tupinambá teria tido a possibilidade ímpar de encontrar-se com o papa e isso seria, sem dúvida, mais um momento privilegiado para os índios, através de uma de suas mais expressivas lideranças poderem manifestar suas preocupações e angústias. É uma tremenda lástima que Babau foi impedido de fazê-lo.
A retaliação ao cacique pode despertar que tipo de percepção no papa Francisco?
A carta que Babau levaria, com toda a certeza, iria chegar às mãos do papa Francisco. O papa é muito atencioso e abre seu coração, de modo especial aos que se encontram nas “periferias existenciais“ como é o caso dos povos indígenas no Brasil. Imagino que o papa lamentou profundamente não ter encontrado esse líder indígena do Brasil. Mesmo assim, o papa tem conhecimento da causa indígena e penso inclusive que nosso Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB, não deixou de comunicar ao papa Francisco o que aconteceu. A nota do Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, foi muito oportuna e expressou de modo contundente o nosso pensamento.
O que o governo brasileiro e a Justiça da Bahia temem ao exumar mandados de prisão arquivados e usar um outro, expedido há mais de dois meses, para impedir Babau de viajar?
Os governos, seja em nível estadual ou federal, preocupam-se muito com a imagem do Brasil no exterior. Não se trata de cumprir à risca o que manda a Constituição, não se trata de abandonar políticas que prejudicam os povos indígenas e encetar políticas que os defendem e lhes garantem a sobrevivência física e cultural. Os governos consideram os índios obstáculos para o progresso, entraves para o desenvolvimento. No entanto, tem que ser conservadas as aparências de um Brasil sensível à causa dos povos autóctones. As aparências de que o Brasil é um estado de direito que honra a sua Carta Magna precisam ser mantidas. A realidade cruel que esses povos estão passando não interessa. E quando alguém vai para fora e denuncia agressões calamitosas e omissões gritantes do governo, aí os governantes ficam furiosos e procuram a todo custo negar o que todo mundo sabe e conhece e fazem de tudo para silenciar a voz de quem divulga a verdade e nada mais que a verdade. Partem até para medidas descabidas de prender, de criminalizar a quem teve a ousadia de arranhar a imagem do governo no exterior.
Tal como Babau, o senhor já foi preso, ameaçado, xingado, atacado. O que o senhor tem para acusar?
O célebre escritor francês Émile Zola (1840-1902) não aguentou mais ficar calado diante de um erro judicial que condenara Dreyfus por espionagem e escreveu, em 1898, ao presidente da França, Félix Faure, a famosa carta “J’accuse” (Eu acuso!) em que ataca os responsáveis pela condenação de um inocente: “Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice” (Meu dever é de falar, eu não quero ser cúmplice). “Minhas noites seriam assombradas pelo espectro de um inocente que sofre no além-mar, mergulhado na mais horrível das torturas, por um crime que não cometeu”. Com essa expressão Zola defende sua convicção de que, quem cala não apenas consente, mas se torna cúmplice de ações criminosas. Assim nós não acusamos somente o governo de ser omisso, de tapar os ouvidos diante do clamor dos povos indígenas, de fechar os olhos diante das violências, injustiças e ameaças que esses povos sofrem em todo o território nacional, nós acusamos o governo de violar a própria Constituição Federal e tornar-se assim cúmplice dos crimes perpetrados contra os índios.
O impedimento da viagem de Babau não é o primeiro nas últimas décadas. Outros ocorreram, caso de Mário Juruna, em 1980, e de lideranças Kayapó, em 1988. Por que estes episódios, entre outros, se repetem?
Existem ditaduras militares, governos de exceção, com tudo o que isso significa em termos de violação dos direitos humanos. Conhecemos essa história não tão distante do nosso tempo. Recordamos com revolta o AI-5 e outras medidas arbitrárias da época da ditadura militar e gritamos até hoje: “Tortura nunca mais!”. Lamentavelmente existe também uma ditadura civil que se estabelece quando um governo agride e desrespeita a Constituição Federal. Essa violação escancara as portas para todo tipo de abusos criminosos que não deixam de ser torturas de pessoas e povos. O atual governo paralisou, por exemplo, os processos de demarcação de terras indígenas, contrariando o que prescreve a Constituição Brasileira e descumpre as obrigações constitucionais no campo da saúde e educação indígenas. Torna-se por isso responsável pelos conflitos e violências de que os povos indígenas são vítimas.

* Premiada indígena peruana que evitou construção de represas na Amazônia


Ruth Buendía
Ruth Buendía
Por AFP
Ruth Buendía Mestoquiari, líder da tribo ashaninka, foi premiada em San Francisco (Califórnia, oeste), por evitar em 2010 a construção de duas hidrelétricas na Amazônia peruana – uma delas a cargo da Odebrecht – que teriam provocado o deslocamento de milhares de indígenas.
“A coragem foi o que me levou a fazer tudo isto”, afirmou Buendía ao receber, na segunda-feira, o prêmio concedido pela organização ambiental americana Goldman.
Em 2010, Lima e Brasília assinaram um convênio para a construção de 15 represas no Peru, algumas delas no rio Ene – que, junto com outros afluentes, dá origem ao Amazonas – para, posteriormente, enviar a energia ao território brasileiro.
Buendía, que na ocasião já presidia a organização CARE (Central Ashaninka do Rio Ene), denunciou que seu país havia aprovado os acordos violando um tratado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga os governos a consultarem comunidades indígenas para a construção de instalações em seu território.
A líder indígena, de 37 anos, conseguiu unir seu povo contra as hidrelétricas, usando entre outros meios, a exibição de simulações digitais, que mostravam a eventual catástrofe ambiental e o deslocamento de cerca de 1.500 famílias ashaninka que as represas teriam desencadeado.
No final deste ano, o governo peruano anunciou a suspensão do projeto Pakitzapango e, meses depois, a Oderbrecht abandonou o do Tambo 40, alegando a necessidade de respeitar as comunidades locais.
Os ashaninka – que vivem da agricultura, da pesca e da caça – sofreram deslocamentos forçados quando a guerrilha do Sendero Luminoso se instalou em suas terras. Milhares deles foram assassinados, como o pai de Buendía, enviada a Lima para escapar da violência.
Ela reivindicou a importância da educação para enfrentar “o narcotráfico, e a extração de petróleo e gás” que ameaçam seu território.
A indígena peruana disse que investirá os 175.000 dólares do prêmio na educação de seus cinco filhos e no financiamento da organização que preside.
Junto com ela também foram premiados Desmond D’Sa, da África do Sul; Ramesh Agrawal, da Índia; Helen Holden, dos Estados Unidos; Suren Gazaryan, da Rússia; e Rudi Putra, da Indonésia.

terça-feira, 22 de abril de 2014

* Aparelho recarrega até 40 celulares de uma vez só

Protótipo do DCRS, mantendo uma TV ligada do outro lado da sala

Um grupo de cientistas no Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia do Sul desenvolveu um transmissor wireless de energia, chamado DCRS, que permite recarregar dispositivos móveis, TVs e outros eletrônicos a uma distância de até cinco metros.

Com potência máxima de 209W, é possível alimentar até 40 smartphones de uma só vez, validando o uso da tecnologia para comércio e residências. Trata-se de uma caixa com três metros de comprimento recheada de bobinas que conseguem enviar campos magnéticos a dispositivos próximos. Uma tecnologia concorrente, chamada COTA, promete o envio de energia a até 10 metros, mas com uma potência menor.

O líder do grupo de pesquisa se mostra confiante no futuro da tecnologia. "Da mesma forma como temos zonas de Wi-Fi em todos os lugares, eventualmente teremos zonas de Wi-Power em lugares como ruas e restaurantes, que fornecem energia elétrica sem fio para dispositivos móveis", afirmou.

Por enquanto o sistema ainda não passa de protótipo, mas esforços estão sendo feitos no sentido de criar versões menores do produto, adaptáveis em diferentes ambientes.

Via: Gigaom



* Por que os médicos chamam tudo de virose?

Para o professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, Vicente Amato Neto, a palavra está desmoralizada. “Abusa-se do termo ‘virose’. Existem muitos recursos que permitem a médicos e paramédicos fazerem diagnósticos melhores”, diz. “Virose” realmente não é muito preciso: identifica todas as doenças infecciosas causadas por vírus, uma carapuça que serve a problemas tão diversos quanto diarréia, febre, dores musculares, coriza, otite, amidalite e, ao pé da letra, até aids.
Em defesa dos médicos, muitas vezes os vírus só podem ser identificados após uma investigação profunda e desnecessária. “Na maioria dos casos de virose, não vale a pena pedir uma bateria de exames. O resultado vai sair quando o paciente já estiver curado”, afirma a médica-assistente da Divisão de Moléstias Infecciosas do Hospital das Clínicas de São Paulo, Maria Claudia Stockler. Assim, quando um paciente chega ao consultório com sintomas leves e não há ameaça de epidemia, costuma-se recorrer ao veredicto superficial, mas eficiente.
Para complicar mais o diagnóstico, o mesmo vírus pode provocar sintomas diferentes. Ou seja, a sua conjuntivite pode provocar o resfriado alheio porque são causados pelo mesmo sujeito, o adenovírus.
Outro motivo que contribui para a onipresença da virose é que não faltam oportunidades para pegar uma. Ambientes fechados favorecem o contágio, assim como copos, teclados e alimentos podem passar adiante aquela gripe esperta.

* Entenda mais sobre as três fases da doença de Alzheimer


* Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”


Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”
Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil
Esta matéria faz parte da edição 125 da revista Fórum.
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Por Paulo Cezar Monteiro
“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.
A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.
Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.
Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.
O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.
De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.

Manifestantes se reúnem em rua do Leblon, no Rio de Janeiro, próximos à casa do governador Sérgio Cabral (Foto: Mídia Ninja)
Black Bloc no Brasil
Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.
A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.
Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.
Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.
Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.
Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.
Luta antiglobalização
Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.
O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade. Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.
Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.
Alvos capitalistas
Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.
Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram. Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.
Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.
Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.
Sem violência?
Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.
Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.
Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.
No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.
Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.
Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.
Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.
Uma breve história
1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).
1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.
1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.
1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.
1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.
2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.
2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.
2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.
2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.
2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas
2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.
2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.
Fonte: Artigo “A Tática Black Bloc”, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010

* Saiba como a eletricidade sem fio pode mudar nossas vidas


A infinidade de fios plugados nas tomadas que nos cercam por todos os lados estão com os dias contados! Uma nova tecnologia que promete distribuir energia elétrica sem a necessidade de fios já é realidade e está prestes a fazer parte do nosso dia a dia.

A ideia surgiu em 2002, quando um físico do Instituto de Tecnologia de Massachussets acordou no meio da noite incomodado com os “bips” do celular que acusava bateria fraca. Olhando ao redor, ele viu algumas tomadas a poucos centímetros de distância, mas sem qualquer disposição para levantar da cama e procurar um carregador. Foi a partir dessa noite mal dormida que o físico resolveu ampliar sua pesquisa sobre ressonância magnética para criar um sistema de transmissão de eletricidade sem fios.

O brasileiro André Kurs é um dos idealizadores do projeto. Há 13 anos, ele mudou para os Estados Unidos para estudar no MIT e fez parte da pesquisa original do projeto desde o início. Hoje ele é um dos fundadores da WiTricity, a startup que desenvolveu e aperfeiçoou a tecnologia.

Em poucas palavras, a tecnologia transfere energia elétrica através de campos magnéticos que oscilam a altas frequências que variam de 100 mil a 10 milhões de vezes por segundo, dependendo da aplicação. O sistema funciona com duas bobinas: a primeira serve como fonte da eletricidade, enquanto a segunda capta a energia transmitida. O alcance do campo magnético varia conforme o tamanho das bobinas. Em uma aplicação para carregar o celular alcançaria pelo menos meio metro de distância.

"Nós tivemos que otimizar a estrutura dessas bobinas e a tecnologia funciona a distâncias proporcionais aos tamanhos das bobinas", diz Kurs.
Há aproximadamente 100 anos, o engenheiro croata Nikola Tesla pesquisou bastante sobre a transmissão de eletricidade sem fio. Mas a estratégia, segundo o pessoal da WiTricity, era bem diferente – claro, a tecnologia também. Resumo da ópera: o projeto de Tesla ficou esquecido por boa parte do último século.
A novidade anunciada pela startup pode representar uma verdadeira revolução no mundo da eletrônica. Nos últimos anos de pesquisa e desenvolvimento, eles diminuíram bastante o tamanho do sistema para poder embarcá-lo em dispositivos móveis como smartphones, tablets e notebooks. A tecnologia de alimentação sem fio também já foi testada em TVs e até carros elétricos. Aliás, indo um pouquinho mais longe, a tecnologia poderia possibilitar a construção de uma estrada cheia de ressonadores para carregar carros elétricos em movimento. Já pensou?!

O que reforça a hipótese são os parceiros da startup; que prometem mais novidades em breve. A Toyota, por exemplo, anunciou recentemente que vai integrar a tecnologia no modelo híbrido Prius a partir de 2015. Para integrar sua tecnologia em outros produtos, a WiTricity também trabalha com outras grandes montadoras como Audi e Mitsubishi e até com grandes empresas de tecnologia como a Intel e a Foxconn, empresa de Taiwan que fabrica praticamente todos os produtos da Apple.

Agora, será que tudo isso é seguro? Os inventores da transmissão de energia elétrica wireless garantem que seus produtos seguem normas e regulamentos internacionais que determinam limites sobre o grau de radiação que um ser humano pode ser exposto.

"Nós estamos muito abaixo dos limites de segurança. São os mesmos limites que fabricantes de celulares tem de obedecer. Segundo as normas aceitas internacionalmente, o sistema é seguro", diz o fundador da WiTricity.

Mais do que isso, a eficiência energética da tecnologia sem fio da WiTricity é de 90% em casos de alto nível de energia – como é o caso do carro elétrico. E no caso de um smartphone, por exemplo, essa eficiência cai um pouco, mas ainda assim fica na casa dos 80%. Ou seja, o consumo de energia pela tecnologia sem fio é um pouco maior, mas nada que pese muito no bolso. E se pensarmos no fim dos fios...essa equação se fecha facilmente.

Bom, como dissemos, o grande desafio agora é incorporar a tecnologia aos produtos do nosso cotidiano. Mas se crescemos e vivemos acostumados – e às vezes até chateados – com tantos fios, talvez as próximas gerações nunca mais tenham que plugar mais nada na tomada.

"Nosso sonho é nunca mais ter que recarregar nenhum aparelho seu. Você pode deixá-lo em cima da mesa, ou no bolso, mas nunca mais ter que pensar em colocar algo na tomada", completa André Kurs.

* McDonald's revela receita das suas batatas


McDonald's revela receita das suas batatas

A cadeia de fast-food norte-americana decidiu acabar com o mistério e explicar o segredo das suas famosas batatas frita.

Porque é que as batatas fritas do McDonald's são únicas? A cadeia de fast-food norte-americana resolveu revelar o segredo. Ou melhor: os segredos. Para além de sal e óleo para fritar, as batatas levam também glicose (um tipo de açúcar), pirofosfato de sódio (para manter a cor), ácido cítrico (como conservante) e dimetilpolisiloxano (um derivado de silicone que serve de antiespumante).
Mas há mais: o óleo é uma mistura especial de óleo de colza, de milho, cártamo e de soja hidrogenado com o antioxidante Terc-butil-hidroquinona, mais conhecido como TBHQ.
Estas revelações foram feitas no âmbito de uma campanha intitulada "A nossa comida, as suas perguntas", que pretende prestar toda a informação aos clientes. Mas a inteção da McDonald's pode acabar por prejudicar a gigante norte-americana com vários sites já a alertarem para os riscos de alguns ingredientes, como o TBHQ.

* Estamos vivendo uma onda neonazista no Ocidente, diz socióloga



Estamos vivendo uma onda neonazista no Ocidente, diz socióloga

Foto: Carla Cristina Garcia – PUC-SP
Por Marcelo Hailer
















Nesta semana, o jogador da seleção da Croácia Josip Simunic foi banido pela Fifa e está fora da Copa do Mundo de 2014. O zagueiro, após a vitória sobre a Irlanda (em novembro), pegou o microfone e entoou cânticos nazistas com o apoio da torcida. A Fifa considerou inadequada a postura do atleta.
Porém, o caso do desportista não é um fato isolado, principalmente diante dos últimos ocorridos na Europa. No começo deste ano, Paris foi palco de uma manifestação contrária ao casamento igualitário, que reuniu cerca de 1,5 milhão de pessoas, porém, o presidente Hollande peitou os grupos conservadores e fez campanha pessoal pela aprovação do projeto, fato que ocorreu em maio.
Na Grécia, foram eleitos seis parlamentares do partido Aurora Dourada, assumidamente neonazista. Recentemente, o líder do partido, Nikos Mihaloliakos, foi preso acusado de fazer parte de um grupo clandestino neonazista envolvido em assassinatos e lavagem de dinheiro. Outros três parlamentares do Aurora Dourada foram presos sob a mesma acusação.
Mas não é apenas na Europa que os ideais eugenistas (base da ideologia nazista) ressurgem, nos EUA e Brasil também. Lá como cá, esses grupos estão organizados nos partidos políticos, nas assembleias e nos meios de comunicação. Os discursos são os mesmos: anti-políticas raciais, contrários a qualquer avanço na legislação no que diz respeito às LGBT e aborto e, principalmente, sobre políticas de drogas.
No Brasil, por exemplo, mais de uma vez, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) declarou que a África é um “continente amaldiçoado” e que o líder Nelson Mandela implantou a “cultura de morte na África do Sul”. E os companheiros de bancada do pastor propagam a ideia de que homossexuais são doentes passíveis de cura. São pensamentos que lembram os eugenistas no século XIX. Com os ativistas do Tea Party norte-americano (ala radical do Partido Republicano) se dá o mesmo.
Com este cenário que se espalha por vários países, será possível afirmar que o Ocidente vive uma nova onda eugenista/neonazista? Para a socióloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carla Cristina Garcia, não há dúvidas de que vivemos uma nova onda das teses que fundaram o nazismo. Garcia, que também coordena o núcleo de pesquisa sobre feminismo e sexualidades – Inanna – diz que é correto falar em nova onda, pois, as ideias que têm permeado o ideário conservador do Ocidente, nunca deixaram de existir, mas, neste momento, ganham nova força com a ascensão dos movimentos mais progressistas.
Revista Fórum – Nesta semana, um jogador da Croácia foi expulso da seleção por ter cantado cânticos nazistas ao fim de uma partida em novembro com o apoio da torcida; neste ano, membros do partido grego neonazista Aurora Dourada foram presos depois que investigação descobriu que eles faziam parte de uma quadrilha nazista; no Brasil setores sociais e políticos têm propagado o discurso de ódio contra LGBT, mulheres, aborto, droga… Pode-se dizer que o Ocidente vive uma nova onda eugenista?
Carla Cristina Garcia - Sem dúvida alguma vivemos uma nova onda do pensamento eugenista e é bom frisar o termo onda, pois a ideia, ou melhor, o ideal eugênico nunca desapareceu da sociedade ocidental.
Talvez seja importante lembrar que todas as teorias racistas modernas são fruto do pensamento eugenista, mais precisamente norte-americano, que desenvolveu um tipo específico de eugenia, conhecida como “eugenia negativa”: eliminação das futuras gerações de “geneticamente incapazes” – enfermos, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos –, por meio de proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última análise, extermínio. O aumento no número de imigrantes no final do século XIX levou o grupo dominante no país, os protestantes cujos ancestrais eram oriundos do norte da Europa, a buscar motivos para exclusão. Encontraram terreno fértil na pseudociência da eugenia.
Os eugenistas usaram os últimos conhecimentos científicos para “provar” que a hereditariedade tinha papel-chave em gerar patologias sociais e doenças. Os imigrantes tornaram-se alvos fáceis de defensores dessa nova “ciência”, que empregaram os achados do movimento eugênico para construir a imagem dos imigrantes como pessoas deformadas, doentes e depravadas, encontrando eco em seus contemporâneos nas ciências sociais e na biologia, entre os quais a eugenia propagou-se como algo considerado perfeitamente lógico.
Fórum – Esse retorno do discurso eugenista em vários países pode ser uma volta do discurso (se é que um dia ele já se foi) do Ocidente enquanto sujeito branco e familista?
Carla Cristina Garcia - Eu não chamaria de retorno do discurso eugenista, pois acredito que este nunca foi deixado de lado, todas as manifestações xenofóbicas por todo o mundo ocidental, o ódio ao estrangeiro propagado em muitos países europeus, além de exibir toda a questão do pensamento colonial, também demonstra claramente que xenofobia e eugenismo são frutos do mesmo tipo de pensamento eurocêntrico, branco e patriarcal.
Fórum – Acompanhamos nos últimos meses o acirramento entre a bancada fundamentalista e os setores progressistas pró-LGBT, que terminou ontem com a vitória dos religiosos ao enterrarem o PLC 122 sob argumentos bíblicos. Por que é tão difícil se fazer aplicar o Estado Laico?
Carla Cristina Garcia - O problema aqui é muito mais complexo do que parece. Primeiro: há dois direitos individuais em conflito: o que assegura a liberdade religiosa e o que assegura a liberdade de consciência. As pessoas têm o direito de serem religiosas ou ateias, sem darem qualquer explicação. Acreditam ou deixam de acreditar como bem quiserem, e qualquer constrangimento a esses direitos é inconstitucional.
Segundo, o Estado é laico. Ser laico não significa ser ateu. Ser laico significa não tomar partido. Não cabe ao Estado defender essa ou aquela denominação ou agremiação religiosa, e tampouco cabe ao Estado pregar o ateísmo. Cabe ao Estado defender o direito das pessoas, individualmente, escolherem (ou não terem de escolher) se e no que acreditarem. Se alguém resolver acreditar no Coelhinho da Páscoa, cabe ao Estado laico defender tal direito.
Sobre aqueles que estão exercendo um cargo público são agentes do Estado. Logo, ele ou ela o representa perante a sociedade e, por isso, sua liberdade religiosa deve ser ainda mais resguardada enquanto estiver no exercício de sua função. Não há dúvida que ela pode rezar em casa ou no templo, independente de qual seja sua profissão. Mas, em sua vida política, ela é o Estado. E o Estado é laico. Como representante do Estado, ela não deve preferir (ou proferir) uma religião.
Fórum – Além dos LGBTs, temos acompanhado o fortalecimento dos discursos contra indígenas, negros, usuários de drogas, mulheres e outros difamados. Na sua opinião, estes sujeitos, historicamente subalternizados, deixarão um dia a condição de sujeitos silenciados e difamados?
Carla Cristina Garcia - Há uma nova movimentação no mundo todo contra os abusos do capitalismo e do pensamento colonial. Acredito que a luta por direitos ainda está longe de acabar. Estas novas configurações dos movimentos sociais podem levar a um recrudescimento das forças conservadoras ou podem levar a outro tipo de organização social mais efetiva.

* Cientistas vão testar pela primeira vez sangue artificial em humanos

Medida visa aumentar a oferta de sangue e tornar transfusões mais seguras. Objetivo é iniciar os testes até 2017

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Sangue artificial feito é a partir de células-tronco (Reprodução/BBC)
Cientistas da Grã Bretanha pretendem testar pela primeira vez em humanos sangue artificial feito a partir de células-tronco. O objetivo é que os testes sejam colocados em prática no final de 2016 ou início de 2017.
A iniciativa será feita por uma parceria entre órgãos do governo britânico e universidades da Grã Bretanha.
As células-tronco têm capacidade de se transformar em qualquer outra célula do corpo humano e muitos cientistas acreditam que elas sejam a cura para muitas doenças.
Cultivadas em laboratório, as células sanguíneas artificiais poderiam tornar a transfusão de sangue mais segura, evitando problemas como o risco de infecções durante a transfusão e incompatibilidade sanguínea. Além disso, por serem mais novas, as células sanguíneas artificiais têm maior longevidade.
Se a técnica for bem sucedida, também pode aumentar a oferta de sangue para transfusões. A escassez de sangue afeta muitos países do mundo, incluindo o Brasil, pois as doações públicas não são suficientes para atender a crescente demanda.
“Produzir uma terapia celular que leve em conta a escala, a qualidade e a segurança exigidas para testes clínicos em humanos é um desafio muito grande. Mas se tivermos êxito, poderemos garantir a populações de diferentes países o benefício dessas transfusões de sangue”, disse Marc Turner, professor da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e líder do projeto.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

* Dom Erwin Kräutler denunciou crimes sofridos pelos índios brasileiros

Denúncia feita ao Papa: “Grupos político-econômicos buscam desconstruir os direitos territoriais dos povos indígenas”. Entrevista especial com Dom Erwin Kräutler

Foto: Plattform Belo Monte
Foto: Plattform Belo Monte
“Denunciei ao Papa que, contrariando o que determina a Constituição Brasileira, o atual governo suspendeu os procedimentos administrativos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas no país”, narra o Bispo do Xingu
IHU On-Line - A maior diocese do Brasil fica no Xingu e soma aproximadamente 800 comunidades, mas tem apenas 27 padres. Fora essa desproporção, a região conta com muitos desafios à defesa dos direitos dos indígenas e, também, ao trabalho da Igreja na Amazônia. Ambos os temas foram tratados no encontro de Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu, com o papa Francisco, no último dia 4 de abril.
“Agradeci o privilégio de ser recebido em audiência como bispo do Xingu, que é a maior circunscrição eclesiástica do Brasil em extensão territorial. (…) Como em toda a Amazônia, também no Xingu as comunidades, em sua imensa maioria, só têm acesso à celebração eucarística dominical duas ou três vezes ao ano”, conta Dom Erwin Kräutler, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
“Denunciei que existem hoje grupos político-econômicos ligados ao agronegócio, a mineradoras e empreiteiras, com apoio e participação do governo brasileiro, que buscam desconstruir os direitos territoriais dos povos indígenas e, para conseguir tal objetivo, utilizam sistematicamente instrumentos político-administrativos, judiciais e legislativos”, argumenta Dom Erwin.
“E neste contexto falei dos empreendimentos desenvolvimentistas que causam um verdadeiro caos social e ambiental. Citei como exemplo a hidrelétrica Belo Monte, no Xingu. Todas as apreensões técnicas manifestadas por especialistas não conseguiram convencer o governo brasileiro a desistir desse megaprojeto. Em torno de 40 mil pessoas são diretamente atingidas por Belo Monte e terão que deixar suas casas”, complementa.
Dom Erwin Kräutler é Bispo do Xingu e presidente nacional do Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi seu encontro com o Papa Francisco? Sobre quais assuntos conversaram? Belo Monte e a situação da população do Xingu foram temas abordados pelo senhor?
Dom Erwin Kräutler - O encontro com o Papa Francisco tinha a ver com minha função de Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia. O nosso Cardeal Dom Claudio Hummes, que é presidente desta comissão, incentivou-me a solicitar uma audiência particular com o Papa para falar-lhe da minha vida e da experiência na Amazônia e, como testemunha que conhece a Amazônia há meio século, colocá-lo a par de nossas preocupações como Igreja nesta região. Mas sou também Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), já no quarto mandato. E com esta responsabilidade me senti realmente na obrigação de partilhar com o nosso Papa Francisco a realidade em que vivem os povos indígenas no Brasil, seus sofrimentos e angústias.
A audiência estava marcada para as 10 horas do dia 4 de abril de 2014. Eu havia convidado o Padre Paulo Suess, assessor teológico do Cimi e profundo conhecedor da Causa Indígena no Brasil e na América Latina, a acompanhar-me nesta audiência para que o pudesse apresentar ao Papa. Após saudarmos o Papa e as fotos de praxe, o Padre Paulo Suess ofereceu-lhe seu Dicionário de Aparecida – 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida (São Paulo: Paulus, 2007) e mais um texto que redigiu sobre as comunidades sem Eucaristia. Aí o Papa falou logo que esperava sugestões concretas, propostas corajosas dos bispos como ele já havia pedido em 27 de julho de 2013, por ocasião de sua visita ao Brasil, na Jornada Mundial da Juventude: “Peço, por favor, para serem corajosos, para terem parrhesia! No jeito ‘portenho’ (de Buenos Aires) de falar, lhes diria para serem ‘corajudos’”.
Comunidades sem Eucaristia
O Papa convidou-me então a sentar. Agradeci o privilégio de ser recebido em audiência como bispo do Xingu, que é a maior circunscrição eclesiástica do Brasil em extensão territorial. Há no Xingu em torno de 800 comunidades e apenas 27 padres. Como em toda a Amazônia, também no Xingu as comunidades, em sua imensa maioria, só têm acesso à celebração eucarística dominical duas ou três vezes ao ano. É muito doloroso para mim, como bispo, conviver com essa realidade. De repente o Papa me perguntou: “O que pensa ou qual a sua proposta neste sentido?”. Jamais esperava que o Papa quisesse ouvir a minha opinião, e disse: “Não tenho uma ‘receita’ pronta, mas precisamos com urgência encontrar uma solução para que o nosso povo deixe de ser excluído da Eucaristia”. O Papa me respondeu então que havia algumas “teses interessantes”, por exemplo, a de um bispo alemão que foi bispo na África do Sul. Trata-se de Dom Fritz Lobinger (*1929), que de 1987 a 2004 foi bispo da Diocese de Aliwal. Seu livro Altar vazio. As comunidades podem pedir ordenação de ministros próprios (Aparecida: Editora Santuário, 2010) foi traduzido em várias línguas. Dom Fritz Lobinger sonha com ministros ordenados que pertencem à comunidade e continuam a vida de família e profissional. O papa lembrou ainda uma diocese no México onde, nas muitas etnias indígenas, há centenas de diáconos casados que exercem seu ministério junto ao seu povo e presidem as suas comunidades. Só lhes falta a ordenação sacerdotal para poder presidir também a celebração eucarística. É a diocese de San Cristobal de Las Casas, no estado de Chiapas. Mais uma vez o papa Francisco insistiu que os bispos de determinada região apresentassem propostas bem concretas e corajosas. Disse-me que esperava e aguardava tais propostas dos bispos.
Lembrou o grande José de Anchieta, agora “São José de Anchieta”. Quem sabe, esse santo, que chegou das Ilhas Canárias ao Brasil com menos de 20 anos e nunca mais voltou à sua terra natal, pode fomentar nas dioceses brasileiras com número suficiente de padres o espírito missionário rumo à Amazônia.
Vi os olhos do Papa brilharem quando falou dos missionários e missionárias na Amazônia. Recordou-me que o Cardeal Dom Claudio Hummes havia lhe falado a respeito de tantos bispos e padres, religiosas e religiosos, leigas e leigos engajados na evangelização desta região de extensão continental e expressou a todos seu carinho e sua admiração.
Os Povos Indígenas no Brasil
Passei então à questão dos povos indígenas. Falei do Cimi, da sua presença junto aos povos indígenas e também de seu objetivo de sensibilizar e conscientizar a sociedade majoritária a respeito da dignidade e dos direitos destes povos. Disse que o Cimi contribuiu decisivamente para que os índios tenham reconhecido na Carta Magna do Brasil“sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam” (artigo 231 da Constituição Brasileira). Denunciei que existem hoje grupos político-econômicos ligados ao agronegócio, a mineradoras e empreiteiras, com apoio e participação do governo brasileiro, que buscam desconstruir os direitos territoriais dos povos indígenas e, para conseguir tal objetivo, utilizam sistematicamente instrumentos político-administrativos, judiciais e legislativos.
Denunciei ainda que, contrariando o que determina a Constituição Brasileira, o atual governo suspendeu os procedimentos administrativos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas no país. A paralisação das demarcações é uma das principais causas de conflitos de que os povos indígenas são vítimas. Citei alguns exemplos que comprovam a violência contra os povos indígenas. Falei do confinamento dos Guarani-Kaiowá numa área tão diminuta que resulta em mortes, suicídios e sofrimento atroz e permanente. Lembrei também a precária assistência à saúde por parte do Estado Brasileiro, especialmente na Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas; 85% dos indígenas tiveram contato ou estão contaminados por um ou mais vírus da hepatite. Não podia deixar de referir-me também aos aproximadamente 90 grupos de povos indígenas na Amazônia brasileira em situação de isolamento, muitos deles correndo risco de dizimação.
Finalmente recordei o encontro do Papa com indígenas por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, quando um índio lhe colocou um lindo cocar na cabeça e outro índio-pataxó de apenas 14 anos exclamou: “É fantástico que alguém da nossa comunidade teve oportunidade de conhecer o papa. Nós aqui estamos representando todos os índios do Brasil“. Vários indígenas da Amazônia disseram, naquele dia, que esperavam a ajuda do Papa na defesa de suas terras ancestrais.
Amazônia e a Ecologia
Com uma outra recordação que fiz ao papa, passamos para a questão da Ecologia. Lembrei-lhe o que havia falado aos bispos do Brasil em seu discurso de 27 de julho de 2013: “Queria convidar todos a refletirem sobre o que Aparecida disse a propósito da Amazônia, incluindo o forte apelo ao respeito e à salvaguarda de toda a criação que Deus confiou ao homem, não para que a explorasse estupidamente, mas para que ela se tornasse um jardim”. E neste contexto falei dos empreendimentos desenvolvimentistas que causam um verdadeiro caos social e ambiental. Citei como exemplo a hidrelétrica Belo Monte no Xingu. Todas as apreensões técnicas manifestadas por especialistas não conseguiram convencer o governo brasileiro a desistir desse megaprojeto. Em torno de 40 mil pessoas são diretamente atingidas por Belo Monte e terão que deixar suas casas.
O Papa me disse então que está pensando numa encíclica sobre a ecologia e enfatizou: “também a ecologia humana”. Tem toda a razão. Não podemos separar a família humana do meio ambiente em que vive ou abstrair o meio ambiente dos homens e mulheres responsáveis pela criação de Deus, o lar de toda a humanidade, também das futuras gerações. Insisti dizendo que nesta futura encíclica a Amazônia e os Povos Indígenas não podem ficar ausentes. O Papa me revelou que já havia encarregado o cardeal africano Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, a elaborar um esboço. Respondi ao Papa: “Pois é, estive ontem com o Cardeal Turkson por várias horas e um dos assuntos foi exatamente este. Insisti que a Amazônia e os Povos indígenas não faltassem numa futura encíclica sobre ecologia. E o cardeal me pediu que o ajudasse nestes pontos. Aceitei o convite com muita alegria”. O Papa acenou contente e agradeceu minha disponibilidade de colaborar.
O abraço do Povo do Xingu
Finalmente falei ao Papa que o meu povo do Xingu lhe quer muito bem e o abraça carinhosamente: “Devo transmitir-lhe o abraço de milhares e milhares de mulheres e homens”. Aí ele disse que retribuía o abraço e, sorrindo, me encarregou de dar, em nome dele, um abraço a cada uma, a cada um dos irmãos e das irmãs na Prelazia do Xingu.
Já na despedida pediu ao povo do Xingu que rezasse muito por ele. Lembrei-me do momento em que apareceu, pela primeira vez como Papa, na sacada da Basílica de São Pedro e, antes de dar sua primeira bênção, pediu a oração do povo de Roma e do mundo inteiro. Assim também pediu, primeiro, orações para depois enviar sua bênção ao povo do Xingu. Agradeci mais uma vez o privilégio de receber-me em audiência e beijei o seu tão simples “Anel de Pescador”. Em seguida, o Papa me acompanhou gentilmente até a porta.
IHU On-Line – Quais suas impressões da conversa com o Papa Francisco?
Dom Erwin Kräutler - O Papa Francisco é muito cordial, fraterno. Seu sorriso não tem nada de postiço. É a vitrine de sua alma e seu coração. Quem se encontra com ele, logo se sente acolhido. Mesmo que no Palácio Apostólico se respire o ar de muitos séculos passados e as tantas salas com tronos e obras de arte que parecem mais um museu, quando entrei na biblioteca e o Papa veio ao meu encontro e com um cordial sorriso me estendeu a mão, percebi que estou “em casa”. Quem cria um ambiente tão afável e acolhedor não são as obras de arte, mas a pessoa do Papa Francisco.
Não sei por que, mas durante a nossa conversa, de repente me veio à mente a figura de Moisés que tirou o povo da casa da escravidão para levá-lo à Terra Prometida. Teve de suportar lancinantes decepções, incompreensão, maledicência aberta e velada, até a revolta do povo a ponto de querer retornar à terra de que Deus o tirou “com mão forte e braço estendido” (Dt 4,34; 26,8). Mas Moisés, em meio a todas as frustrações, deixou-se conduzir pelo Senhor, foi em frente, passo a passo. E por quê? Uma profunda mística o alimentou e manteve firme, também em horas de trevas mais espessas. Nunca esqueceu o que Deus lhe falou na alvorada do Êxodo: “Eu estarei contigo” (Ex 3,12). “O Senhor o conhecia face a face” (Dt 34,10) é o derradeiro comentário sobre Moisés no Livro do Deuteronômio. Penso que o Papa vive uma mística semelhante. Sabe que Deus está com ele e essa certeza da presença de Deus em sua vida é o segredo de seu sorriso cativante.
IHU On-Line – Como o senhor descreveria a reação das pessoas, em geral, e da Igreja, em particular, na Europa, e, especialmente, na Áustria, do pontificado de Francisco?
Dom Erwin Kräutler - Vivo há quase 50 anos no Xingu e por isso não me atrevo a fazer análises a respeito das Igrejas na Europa, nem sequer na Áustria, onde nasci. Deixo isso com os pastoralistas de lá. Mas pelos meus contatos com padres e bispos e pessoas mais engajadas, percebo que há um profundo sentimento de gratidão a Deus e uma incontida alegria por termos esse papa. Não se espera dele que de hoje para amanhã consiga fazer as reformas, há tempo necessárias, mas há uma imensa esperança de que o Papa Francisco dê uma guinada em nossa Igreja.
Alguns são impacientes e querem que o Papa tome decisões “já” em relação às na Europa chamadas “Heisse Eisen” (questões escaldantes), como as normas para admissão ao sacerdócio, o celibato, o papel da mulher naIgreja, o processo para escolha de bispos, a comunhão para casados em segundas núpcias.
Existem também pessoas que, ao que parece, insistem em continuar nos tempos do Concílio de Trento (1545-1563). Não aceitam o modo simples, humilde, acolhedor do papa e, pior, questionam até a sua teologia, seus apelos à misericórdia e duvidam de sua ortodoxia arvorando-se em defensores da fé católica. Graças a Deus é uma minoria numericamente insignificante, mas é gente fanática, intransigente, birrenta que dá dó.
IHU On-Line – Quais são as expectativas quanto ao Sínodo Extraordinário para a Família na Europa? E no Brasil?
Dom Erwin Kräutler - As expectativas são enormes, especialmente depois da pesquisa realizada pela Santa Sé no mundo inteiro. O Sínodo Extraordinário terá uma tarefa homérica a cumprir e as discussões sinodais, sem dúvida, serão acaloradas, o que não deixa de ser positivo quando se buscam respostas aos anseios de milhões e milhões de famílias que aguardam deste Sínodo linhas, diretrizes, orientações.
O discurso proferido pelo cardeal Walter Kasper no Consistório dos Cardeais, em 20 de fevereiro de 2014, pode ser um excelente ponto de partida para as discussões na ala sinodal, especialmente numa questão muito candente como o acesso à comunhão eucarística de divorciados em segundas núpcias. Walter Kasper lembra, em seu discurso, o que o Papa Francisco falou em 24 de janeiro de 2014 aos oficiais do Tribunal da Rota Romana (a instância superior de apelação na Sé Apostólica). O papa afirma que “a pastoral e a misericórdia não se contrapõem à justiça, mas, por assim dizer, são a justiça suprema, porque por trás de cada causa elas avistam não só um caso a ser examinado na ótica de uma norma geral, mas sim uma pessoa humana que, como tal, nunca pode tornar-se um mero caso e sempre tem uma dignidade única“.
Espero que haja realmente diálogo. No Sínodo para a América em que participei, em 1997, como delegado da CNBB, não havia suficiente espaço para trocar ideias, discutir pontos de vista. Faço votos de que finalmente se crie um organograma e fluxograma favoráveis ao diálogo.
E espero ainda que neste sínodo não sejam apenas os padres sinodais, cardeais e bispos que tenham voz, mas que casais e famílias sejam convidados e ouvidos, inclusive pessoas cujo matrimônio fracassou e pedem compaixão e misericórdia para sua situação dolorosa e muitas vezes irreversível.