Com a perspectiva negativa do setor financeiro, as apostas estão cada vez mais nas terras dos países em desenvolvimento
Por Rui Daher, CartaCapital
O que faria o investidor norte-americano Jim Rogers, fundador junto com George Soros do Quantum Fund, em entrevista ao Financial Times, afirmar que seu foco atual está na compra de ativos agrícolas?
“Compro fazendas de capital aberto na Austrália, Indonésia e África. Mas é possível investir em tratores, fertilizantes, sementes”.
Além de insistir na tendência de queda na cotação do ouro, Rogers vê em fase terminal o ciclo de grandes ganhos no setor bancário: “Temos alavancagem gigantesca no setor e agora todos os governos estão sendo duros com os tipos financeiros. Acho que será um lugar terrível para estar nos próximos 10, 20, 30 anos”.
Ainda que o acerto dessa previsão possa chegar apenas a um insípido seis e meio, confirmada, é possível antever lances de filme de terror num país grandão abaixo da linha do equador.
Produtiva, até lá, a camada do pré-sal pode não ser suficiente para apaziguar os rapazes do mercado financeiro em busca de “meus sais, please!”.
A aposta de Rogers na agricultura é óbvia e de percepção pouco recente. Arrisco dizer que hipotéticos conflitos mundiais no futuro dever-se-ão à conquista de territórios capazes de permitirem produção farta de alimentos, fibras, produtos florestais e energia renovável.
Identificaram, pois não.
Jogando com um porvir que a mim não caberá, preocupo-me quando noto o imediatismo de governantes e empresários nacionais com o gerenciamento de um patrimônio que recebemos de grátis.
Riquíssimos biomas, biodiversidade farta, boas condições edafoclimáticas, amplos recursos hídricos. A isto, ainda que a trancos, barrancos e Embrapa, acrescentamos razoável aparelho tecnológico.
Bem, deu no que deu e fez aumentar a cobiça internacional por este “em se plantando, tudo dá”. Na mira, também a África, porém menos fácil, daí mais barata.
Dito isso, se os leitores estiverem ouvindo muito bochicho por aí com temas indígenas, mineratórios, assentamentos e de regulação da venda de terras a estrangeiros, se amofinem, sim. Podem estar querendo ampliar em alguns quilômetros quadrados os balcões imobiliários.
Quando presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici assinou a Lei nº 5.709, de 1971, que impunha restrições à compra de terras por estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas. Com a chegada das tantas subsidiárias “do Brasil”, no ritmo do processo de industrialização, a compra pôde correr solta. Bastava o capital lá de fora manter sede e administração aqui.
A Constituição de 1988, através do artigo nº 171, deu uma apertadinha, o que o Congresso Nacional tratou de revogar através de Emenda Constitucional, de 1995.
De lá para cá, quando a transação não é feita dentro de um cartório, o ato pode ser finalizado numa vasta plantação de laranjas. O fato perdura, sobretudo, após a Advocacia Geral da União (AGU) ter emitido parecer que classifica e limita a extensão das áreas passíveis de compra e, no caso de empresas, impõe capital majoritariamente nacional.
É claro que a dimensão dos interesses aí envolvidos tem gerado reações contrárias de ruralistas e do setor imobiliário. Forte lobby procura derrubar as restrições no Legislativo.
O mesmo acontece em instâncias do Judiciário, que vêm orientando os tribunais regionais a desconsiderarem o artigo constitucional e o parecer da AGU. Uma mixórdia jurídica capaz de legar às gerações futuras o mesmo caos que conflita a demarcação de terras indígenas.
A verdade é que fundos de investimento e mesmo governos estrangeiros salivam quando percebem fácil a aquisição de terras no Brasil e em partes do continente africano. Ainda mais se dos EUA, China, Japão e países do Golfo Pérsico. Seus faros replicam o de Jim Rogers.
Conta-se que, nos últimos dez anos, cerca de 80 milhões de hectares foram adquiridos por estrangeiros em América Latina e África.
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