sexta-feira, 14 de março de 2014

* Grandes hidrelétricas não são economicamente viáveis, diz estudo

Pesquisa da Universidade de Oxford mostra que, em média, hidrelétricas em todo o mundo estouram o orçamento e ficam 96% mais caras. No Brasil, essa porcentagem é ainda maior: 101%

BRUNO CALIXTO
10/03/2014 17h01
A usina hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, Brasil (Foto: Keiny Andrade/LatinContent/Getty Images)
Quando a usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, foi leiloada em 2008, o investimento previsto para a construção do projeto era de R$ 9 bilhões. Pouco depois do leilão, a empresa vencedora da concessão, a Energia Sustentável do Brasil, anunciou uma mudança no local do projeto que faria com que a usina custasse menos e produzisse mais energia. Não foi o que aconteceu. Segundo o jornal Estado de S. Paulo, a usina está custando quase o dobro do inicialmente previsto, R$ 17,4 bilhões, e conta com atraso de mais de um ano. Jirau não está sozinha. Um estudo publicado nesta segunda-feira (10) mostra que grandes usinas hidrelétricas estouram o orçamento e atrasam em todo o mundo, o que faz os pesquisadores questionar: vale a pena, do ponto de vista econômico, construir grandes barragens?
Para um dos autores do estudo, Bent Flyvbjerg, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, há fortes evidências de que as grandes hidrelétricas não são economicamente sustentáveis. O estudo publicado na revista científica Energy Policy analisou 245 megabarragens, construídas em 65 países entre 1934 e 2007. Eles descobriram que 90% das usinas ficaram mais caras do que o orçamento inicial. Em média, as usinas atrasam cerca de dois anos e terminam custando 96% a mais. Separando apenas as hidrelétricas brasileiras, o aumento de custo é ainda maior: 101%. "Se esse valor fosse considerado no planejamento inicial, esses grande projetos seriam quase sempre considerados inviáveis economicamente", diz Flyvbjerg.
Segundo o pesquisador, atrasos e aumento de custos em obras de infraestrutura são comuns. Mas esses problemas são muito maiores em hidrelétricas do que em outros projetos. Estradas, por exemplo, têm aumento médio de cerca de 20%, e ferrovias, 30%. "Só há dois tipos de projetos que estouram mais o orçamento do que grandes hidrelétricas: infraestutura de tecnologia de informação e os Jogos Olímpicos."
Por que as hidelétricas terminam custando tão mais caro? Segundo outro autor do estudo, o pesquisador Atif Ansar, também da Universidade de Oxford, isso ocorre porque os valores dos projetos são subestimados durante as etapas de planejamento e nos estudos de viabilidade. Ele identifica algumas causas. Uma delas é a questão técnica. "As hidrelétricas exigem um tipo muito específico de construção, e a geologia do local pode se tornar um problema, aumentando os riscos". Em países em desenvolvimento, a dependência de maquinário importado também costuma aumentar os custos.
Mas problemas técnicos apenas não explicam o problema. Entre as causas, há também casos de distorção nos projetos iniciais, quando técnicos deliberadamente apresentam custos melhores para conseguir a aprovação política do projeto, e um componente psicológico: estudos de viabilidade tendem a assumir posições otimistas. "Estudos em psicologia mostram que seres humanos são naturalmente otimistas em relação a tempo e custo, seja no caso de fazer compras no mercado ou planejar as férias, seja ao projetar grandes obras de infraestrutura."
O ponto que mais impressiona no estudo da Oxford é que os mesmos erros vêm se repetindo sempre. A pesquisa encontrou os mesmos problemas de atrasos e valores subestimados que ocorriam nas décadas de 1930 ou 1940 em obras dos anos 2000. "Não há evidência de que as estimativas tenham melhorado durante o tempo. Não há aprendizado em relação aos erros do passado", diz o estudo. Obras como a usina de Estreito, no Maranhão, que custou sete vezes mais, ou a hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, com aumento de 240% nos custos, não parecem servir de exemplo para evitar problemas nas obras mais recentes, como Jirau ou Belo Monte.

Canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, em foto de 2012 (Foto: Mario Tama/Getty Images)
Maior projeto de energia atualmente no país, a usina de Belo Monte, no Pará, chama a atenção dos pesquisadores pelos riscos envolvidos. Há a possibilidade de a usina ser simplesmente cara demais para valer a pena. Belo Monte tinha custo avaliado em R$ 19 bilhões. Quando foi leiloada, em 2010, a empresa Norte Energia pediu financiamento de R$ 26 bilhões. A expectativa é de que o projeto fique ainda mais caro, já que há condicionantes sociais e ambientais impostas pelo Ibama.
Apesar dos resultados, os pesquisadores dizem que não são contra a energia hidrelétrica. O estudo apresenta uma série de medidas que pode ajudar na administração de projetos e evitar grande aumento de custos, com mais monitoramento e transparência nas obras, e sugere alocar recursos para energia em projetos menores e de construção mais rápida, como as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Para os projetos em andamento, como Belo Monte e Jirau, os pesquisadores não são tão otimistas. "Uma vez que o projeto já está em andamento, a única coisa a fazer é tentar contratar os melhores administradores do mundo para tentar minimizar o prejuízo", diz Flyvbjerg.
A reportagem procurou a assessoria da usina de Jirau para confirmar o aumento de custo noticiado pelo Estado, mas a empresa Energia Sustentável do Brasil preferiu não se pronunciar.

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