segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

* Intolerância e ódio



O contexto histórico do conflito de Gaza, de dois povos lutando por um mesmo território, é um drama humano que não pode ser explicado nem resolvido usando esquemas ideológicos.
Somente o diálogo e a negociação poderão encontrar uma solução política que dê ponto final aos erros acumulados pelos líderes de ambas as partes, e que terminam resultando em guerras periódicas.
Entendo a simpatia de alguns com os palestinos e a preocupação de outros com a segurança de Israel.
Mas em nenhum dos dois casos é aceitável o apoio acrítico a líderes radicais, sejam israelenses que não se dispõem a devolver os territórios conquistados, sejam palestinos que sustentam um programa político que propõe a destruição do Estado de Israel.
Quem quer entender o atual conflito em Gaza e está preocupado em contribuir para uma agenda de paz, deve abandonar visões simplistas, maniqueístas, onde um lado representa o bem e o outro lado, o mal. A pergunta que devemos nos colocar, nós que temos a sorte de estar longe da zona de guerra, é o que pode ser feito para avançar a causa da paz.
Infelizmente, muitos intelectuais e partidos instrumentalizam o conflito para avançar suas a próprias agendas políticas. Que agenda é essa? A de atacar o grande inimigo, os Estados Unidos, e todos aqueles que são definidos como seus associados.
Trata-se de uma agenda que nada tem a ver com a preocupação efetiva com o sofrimento humano, pois esses intelectuais e organizações nada fizeram frente a massacres gigantescos. Seja em Chechênia, Sudão, Curdistão, Tibete, Ruanda, nossos intelectuais "engajados" se calaram.
Para eles os direitos humanos só devem ser defendidos se eles se encaixam no marco da ideologia política.
Quem quer a guerra vê o demônio no outro. Sempre lutei contra aqueles que procuravam assimilar Arafat a Hitler e o movimento palestino, ao nazismo. Hoje devo enfrentar aqueles que procuram associar o Estado de Israel ao nazismo. Trata-se de uma mentira deslavada. Hitler exterminou sistematicamente todos os judeus, sejam cidadãos alemães ou aqueles que se encontravam nos territórios ocupados pela Alemanha nazista. Quando finalizou a guerra que criou o Estado de Israel, em 1949, lá viviam 120.000 árabes, e hoje são mais de um milhão. O número de refugiados palestinos era aproximadamente de 500.000, hoje eles e seus descentes somam mais de 4 milhões.
As palavras não são ingênuas.
Não se trata de negar o sofrimento pelo qual passou e passa o povo palestino.
Mas não desvalorizemos os fatos históricos, e lembremos, sobretudo, que desumanizar o adversário é o primeiro passo para justificar a sua destruição.
O Partido dos Trabalhadores fez uma declaração pública relacionando Israel com o nazismo, argumentando que nos ataques israelenses morreram civis, assim como os nazis também atacaram alvos civis. Como eles certamente não são ignorantes, sabem que isso acontece em todos os confrontos, sem nenhuma exceção, em que o inimigo se mistura à população local, sendo praticamente impossível enfrentá-lo sem baixas civis.
Aclaremos: a questão que estou discutindo não é se o ataque israelense se justifica ou não. A questão é a vontade de associar Israel com o nazismo, pelo uso manipulador de uma analogia. Ela é uma agressão moral para um povo que atravessou o Holocausto. Não sei a razão que os motiva, se antissemitismo mal elaborado ou vontade de atingir indiretamente os Estados Unidos. Mas, certamente, com esse tipo de argumentação, dificilmente eles terão algum papel entre aqueles que procuram avançar a causa da paz na região.
As negociações políticas não são do interesse de extremistas, sejam palestinos ou israelenses. Tampouco de partidos políticos e intelectuais com agendas ideológicas que nada têm a ver com o drama dos povos da região.
O Brasil é um país com imensos problemas sociais, mas em vários sentidos representa um exemplo para o mundo de convivência entre etnias e religiões. Não podemos permitir que um país abençoado pela própria cultura seja contaminado pela intolerância e o ódio.


BERNARDO SORJ é professor de sociologia da UFRJ e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.

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